No passado sábado (17 de dezembro) fui à grande manifestação de professores convocada pelo S.T.O.P. Com outros milhares de pessoas, a maioria profissionais da educação, mas não só, desci as ruas de Lisboa em direção à Assembleia da República. Foi impossível não recordar manifestações passadas deste sector, como as do ano de 2008 contra as medidas da ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Mas particularmente, esta fez-me lembrar as manifestações da Geração à Rasca, do 15 de outubro de 2011 e do Que se Lixe a Troika na luta contra o Governo Passos Coelho e Paulo Portas. As semelhanças são evidentes: muita juventude (mesmo num sector profissional bastante envelhecido), professores de diferentes sindicatos (e muitos outros sem sindicatos) e muita garra e combatividade. Aliada a estas características, dá-se a coincidência de eu ser um dos muitos e muitas que estão agora a entrar na carreira docente ― mobilizei-me pela educação pública, mas também pelos direitos daquela que será também a minha profissão. Tudo isto fez-me perspetivar que o período intenso de luta popular que vivemos há dez anos contra a Troika se poderá voltar a repetir.
Uma luta justa
De Norte ao Sul do país, milhares de professores, sobretudo professoras, vieram a Lisboa dizer ao ministro João Costa que estão aí para a luta e que os próximos tempos na educação vão ser quentes. Os motivos para esta luta são vários. Por um lado, prendem-se com uma constante degradação da educação pública e da carreira docente, ao longo dos últimos 15 anos, onde impera a precariedade, os baixos salários e a instabilidade decorrente das colocações de professores em escolas a centenas de quilómetros das suas casas. Algumas das reivindicações dos sindicatos de professores vão ao encontro deste problema, como a contagem integral do tempo de serviço, bem como a eliminação das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões e o fim da precariedade e mobilidade por doença.
Contudo, uma das medidas que veio acicatar, ainda mais, o descontentamento já vivido pelas professoras foi a revisão do modelo de recrutamento e mobilidade proposto pelo atual Governo, pela mão do ministro João Costa. Este modelo introduz nos concursos outros critérios além da graduação profissional, o que pode vir a concretizar o fim do concurso nacional ― que embora não seja isento de críticas obedece a critérios bem definidos. Logo, a contratação de professores passaria a ser decidida por escola, ou seja, pelos diretores, baseada em perfis e não por concursos nem graduações, abrindo espaço para critérios subjetivos de contratação. Se fosse aplicada, esta seria uma machadada quase final na carreira docente, fragmentando e precarizando o percurso profissional de gerações de educadoras/es. Como disse a deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua, esta medida foi a gota de água num sector que tem sido muito maltratado ao longo dos últimos anos. E o copo transbordou!
Ainda a mobilização vai no adro
Importa, pois, aqui elogiar e agradecer ao S.T.O.P e aos seus ativistas por terem tido a capacidade de acertar no timing de chamar à manifestação na sequência de uma importante greve de vários dias. As e os professores, ao saírem em peso no sábado passado, eliminaram quaisquer dúvidas sobre se este era momento acertado para a luta ― já que em relação às reivindicações existe uma ampla concordância e unidade nos professores.
Aliás, a manifestação de sábado passado veio comprovar que o calendário de luta da federação maioritária do sector, a Fenprof, apesar de importante, é insuficiente. A marcação de uma manifestação nacional de professores em Lisboa, só para o dia 4 de março, proposta pela Fenprof revela-se ultrapassada dado o contexto e vontade de luta demonstrada. A raiva, o descontentamento e também as lágrimas que vi correrem na cara de professores, no sábado à tarde frente à Assembleia da República, são a expressão muito evidente que o calendário de lutas tem que ser mais combativo e já em janeiro.
Isto não invalida que seja necessário ter uma perspetiva de longo fôlego. Não podemos contar que esta luta seja curta e a vitória rápida. A persistência cega dos governos, sobretudo do PS com maioria absoluta, em demolir a carreira docente é também uma das lições de 2008. Tal como então, a verdade é que há disposição e vontade dos professores para ir mais além na luta e isso pode levar à vitória. Mas é preciso jogar para ganhar, com audácia, inteligência e persistência.
Para que a luta alcance vitórias é importantíssima a unidade de todos os professores e sindicatos. De facto, “juntos, somos mais fortes”. Se há concordância nas reivindicações, torna-se necessário um calendário comum de luta. Isso não significa ir a reboque de ninguém, nem tão-pouco ficar à espera. Significa preparar a luta, com um confronto de grande escala em vista. Desde logo, transformar a mobilização em organização, sem cair no espontaneísmo. E, ao mesmo tempo, unir as e os docentes, quebrando muros e desconfianças. Apontar as baterias ao governo, em cair na esparrela de lutas entre sindicatos. É possível vencer. E uma vitória neste sector pode depois transbordar para tantas e tantos outros trabalhadores, num grande maremoto de lutas populares pelo direito a ter direitos.