Precisamos de falar sobre a direita

Quando Marcelo Rebelo de Sousa, há pouco mais de um mês, dissolveu o parlamento e convocou novas eleições, as atenções estavam voltadas para o choque entre António Costa e a esquerda que resultou no chumbo do Orçamento de Estado. A direita parecia ter sido apanhada desprevenida: o PSD degladiava-se internamente; o CDS via figuras históricas debandar; e o Chega, como sempre, irradiava contradições… Assim, o combate eleitoral parecia desenhar-se entre a esquerda e o PS como uma continuação do debate orçamental; e o horizonte em disputa parecia ser o da maioria absoluta ― que o PS quereria conquistar e a esquerda impedir. Hoje, a um mês das eleições, é evidente que as coordenadas da luta eleitoral são mais complexas: a esquerda, no justo confronto com o PS, não pode ignorar o perigo da direita. É necessária uma estratégia para eliminar esse perigo.

As sondagens mais recentes dão razão a este alerta. Ainda que em todas elas o PS apareça em primeiro lugar, a dinâmica é a de diminuição da margem face ao PSD.

 IntercampusAximagePitagórica
PS29.435.437
PSD22.233.231.7
BE5.57.34.9
CDU3.75.15.9
Chega7.46.26.3
IL5.33.75.9
PAN2.92.53
CDS1.31.31
Esquerda + PS38.647.847.9
Esquerda + PS+ PAN41.550.350.8
Direita36.244.944.9
Margem de erro43.444

É certo que as sondagens são uma fotografia de um momento, não a previsão de um resultado. São, além disso, falíveis. Contudo, cotejar estas três sondagens permite-nos identificar algumas tendências: 1) o PS é o favorito, mas a maioria absoluta parece excluída; 2) o PSD aproxima-se do PS (na sondagem da Aximage alcança até um empate técnico, dada a diferença entre ambos ser menor que a margem de erro); 3) A esquerda nada contra a corrente; 4) a possibilidade do Chega ser a terceira força política é real; 5) Chega e IL são os elementos que mais devem crescer face a 2019; 6) O crescimento destes partidos já não rouba espaço ao PSD, que cresce também; 7) a esquerda somada ao PS (sem o PAN) tem maioria face à direita somada, mas com uma diferença sempre abaixo da margem de erro – tratando-se assim de um empate técnico entre ambos os lados de um futuro parlamento (ainda que, devido ao método de Hondt, a tradução de votos em eleitos sofra alguma distorção).

É preciso assumir: a direita é um perigo real

Nada disto é novo. As eleições mais recentes deram pistas neste sentido, fossem as regionais dos Açores, as presidenciais (com o resultado expressivo de Ventura e as dificuldades da esquerda) e as autárquicas, com destaque para a vitória de Moedas em Lisboa. Apesar da derrota de Trump em 2020, as tendências internacionais não apontam para um retrocesso inexorável da extrema-direita: veja-se a ascensão de Zemmour em França, mas não só.

Nada disto anuncia uma definitiva viragem à direita. Nem sequer uma repetição nacional do resultado autárquico de Lisboa; porém, confirma-se que essa hipótese não pode ser descartada ― trata-se de um cenário bem mais provável do que o de uma maioria absoluta do PS. A reafirmação de Rui Rio como líder do PSD parece ter-lhe dado um fôlego cujo alcance é mais amplo que a base do seu partido. A dinâmica parece ser a de um crescimento complementar, mais do que autofágico, do centro-direita e das direitas radicais. Pelo que não pode ser descartado nenhuma possibilidade, seja uma vitória do PSD seja que, mesmo ganhando Costa, a direita tenha maioria parlamentar, invertendo o cenário de 2015 rumo a uma Geringonça da direita ― que, aliás, subsiste nos Açores. Escusado será dizer que, por mais que se finja moderado, Rio não hesitará em incluir o Chega numa maioria se disso necessitar para governar (e é certo que sem o apoio de Ventura não governará). Ainda que sejam apenas possibilidades, estas são demasiado graves para não serem consideradas no momento de elaborar a política da esquerda.

Além disso, estes dados dizem-nos que, mesmo que não vença, a direita não está fora de jogo e os seus flancos mais radicais estão em franco crescimento, pelo que o combate contra ela tem de fazer parte da agenda da esquerda nas eleições e fora delas.

O PS, desde logo, não tem estes dados em consideração ou finge não ter. Assim, dinamitou irresponsavelmente as pontes à esquerda e lançou o país para eleições, oferecendo uma oportunidade à direita. Além disso, ao abrir portas a um acordo pós-eleitoral com Rui Rio, Costa credibiliza como opção válida o seu principal adversário, jogando a favor do inimigo.

Cabe, então, à esquerda colocar-se de forma audaz na linha da frente para travar a direita ― sem com isso ceder ao PS, evidentemente. Por exemplo, ao apontar menos as baterias contra uma eventual maioria absoluta do PS e ao sublinhar a viragem de Costa à direita, com a denúncia de um possível bloco central informal, o Bloco tem vindo a fazer esse caminho. Tal como o faz quando assinala que existe uma disputa entre o BE e o Chega pelo terceiro lugar que é da maior importância. Humildemente, queremos contribuir para reforçar esse combate.

Um compromisso central: construir uma maioria que trave a direita

É útil reafirmar esta orientação: no que dependa da esquerda, a direita não governará. É necessário reconhecer publicamente que a direita não está fora de jogo e que existe o perigo de ela regressar ― lembrando tanto o passado austeritário como a abertura de Rio para abraçar Ventura. E fazê-lo não implica alimentar o voto útil no PS. Se, sem medos, a esquerda se colocar ao serviço de travar, no parlamento inclusive, a constituição de um governo da direita, o povo de esquerda entenderá que não tem de votar no PS para derrotar Rio e cia. O objetivo deve ser o de reforçar a esquerda para que a direita seja minoritária. Perante o compromisso de impedir um governo de direita ― o que, sem rodeios, significa dar posse a um governo minoritário do PS sem acordos com a direita ―, o povo compreenderá que o voto útil é na esquerda.

Assim, um compromisso nítido com a constituição de uma maioria contra a direita deve ser assumido. É, até, uma exigência a lançar a outros: Costa deve ser confrontado com ela, mas também o PAN, por exemplo.

Isto não significa ficar atado a uma futura Geringonça ― o passado não volta ―, nem implica baixar qualquer bandeira programática. Pelo contrário: a destroikização dos direitos laborais, a defesa dos serviços públicos e da justiça climática devem ser reafirmados. E, a par disso, é útil trazer para o centro do debate os temas que mobilizam quem tem mais a perder com um governo das direitas: o feminismo, os direitos LGBTI+ e a luta antirracista são causas que mobilizam a juventude e as comunidades racializadas para votar. Com um perfil marcadamente contra a direita e antifascista, a esquerda reconfortará aqueles que viram com maus olhos o chumbo do OE por receio de abrir caminho à direita.

Apresentar um programa anticapitalista radical e ajudar na construção de uma maioria contra a direita, no parlamento e nas ruas, são tarefas determinantes e complementares. Por elas, estamos com o Bloco de Esquerda: para fazer a luta toda, até 30 de janeiro e mais além.

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