O Marxismo ensina-nos que sem a constatação da realidade não haverá progresso. Há assim dois factos que é preciso afirmar: as forças de esquerda revolucionária são altamente minoritárias e as massas são ainda guiadas maioritariamente pela política burguesa e reformista. Esta realidade conduz-nos a um erro de caracterização no esforço de afirmar alternativas revolucionárias – a indistinção entre partidos burgueses e reformistas, colocando-os numa mesma categoria defensora da classe burguesa, como se todos tivessem uma mesma estratégia oposta à dos partidos revolucionários. Se um político burguês se diferencia de um político reformista, o melhor método será recordar o essencial dos conceitos que os movem e relacioná-los com a disputa e construção de alternativas políticas.
Recuando às principais concepções marxistas, a burguesia define-se como a classe dos capitalistas proprietários dos meios da produção social e empregadores do trabalho assalariado, que assim se afirma como a classe economicamente dominante que controla o aparelho de Estado, nomeadamente através dos partidos políticos que a representam. Independentemente de todas as considerações posteriores, estes critérios não podem ser esquecidos. Por outro lado, o reformismo deve ser compreendido genericamente como uma importante posição no debate sobre a natureza da transição para o socialismo e sobre a estratégia política mais adequada para tal.
O reformismo foi imediatamente associado àquele sector da esquerda que luta por reformas no quadro do capitalismo, sem admitir a possibilidade de ir além da sociedade burguesa. Todavia, é possível que correntes reformistas ou tendências de partidos reformistas tenham como programa escrito o socialismo. De facto, historicamente os socialistas revolucionários e os reformistas não discordam quanto à necessidade do socialismo. O que os diferencia não é necessariamente o programa político, mas os meios com os quais procuram realizar esse objectivo e qual o grau de transformação social pretendem. Contrariamente à visão leninista de uma transição para o socialismo caracterizada por uma luta fora das instituições e uma crise que culminariam num momento decisivo de transformação social, os reformistas defendem essa transição como um processo gradual e pacífico através de medidas essencialmente económicas e da utilização, pela classe trabalhadora, das instituições políticas existentes, nomeadamente os parlamentos e os governos do Estado burguês democrático. Na realidade o que separa os socialistas revolucionários dos reformistas que reivindicam o socialismo não é a defesa de reformas, mas tomar essa prática como um fim em si mesmo.
Assim podemos falar quais as condições para a disputa e construção políticas, não num sentido belicista ou fratricida, mas de diálogo e clarificação de projectos. Se o programa político não é suficientemente distinto, as bases para que tal ocorra resumem-se aos princípios e ao tom, isto é, quais as premissas essenciais de um dado projecto e como são percepcionadas pelo auditório. No seio da distinção entre partidos burgueses e partidos reformistas, a primeira premissa será qual a postura destes face à burguesia. Perante a facilidade de distinguir categoricamente partidos reformistas daqueles revolucionários, esquecemo-nos desta diferenciação também relevante. Se os partidos burgueses defendem abertamente o patronato e se opõem ao socialismo, os reformistas são dominados pelo dilema entre a impopularidade de qualquer estratégia que não seja reformista e a impossibilidade de levar à prática com eficácia qualquer estratégia que o seja. O reformismo não deixa assim de ter problemas, nomeadamente a inclinação para negligenciar a luta pelo socialismo e procurar reformas sociais e vantagens eleitorais dentro do capitalismo. Porém tal não justifica os partidos burgueses e os reformistas numa mesma categoria, como também devemos destacar diferenças entre os vários partidos independentemente de caracterizações mais gerais focadas nos seus objectivos, nomeadamente aspectos da sua vida interna como a existência de diferentes tendências. Contrariamente ao que a generalidade dos partidos revolucionários considera, a disputa e a construção não se desenvolve através de programas políticos previamente definidos. Antes pelo contrário, a pré-existência de um programa construído com base em visões eventualmente desgarradas da realidade e com pouca inserção político-social transforma-se num convite à quebra do diálogo e da discussão, pois ninguém quer debater algo que já foi definido ferreamente por uma das partes. As sementes não germinam e as árvores não crescem no ar. É fundamental inserir qualquer partido ou organização política na realidade concreta, garantindo o contacto com os acontecimentos e ouvindo os/as seus/suas intervenientes como condições imprescindíveis para a construção de um programa político participado e adequado à actualidade, que não rejeite as vias de actuação institucionais mas que também impulsione os movimentos populares de base.
Se é fundamental posicionar os partidos burgueses como distintos dos reformistas no que respeita a objectivos e à representação de interesses políticos, já inserir partidos reformistas e aqueles revolucionários em categorias estanques pode ser limitador da sua acção política e da construção de um programa para a classe trabalhadora. Seria mais correcto não abordar categorias cristalizadas, mas falar em perspectivas reformistas e revolucionárias, mais dinâmicas e contextualizadas em períodos históricos da luta de classes.