Entrevista com Nataliya Levytska, vice-presidente do NGPU (Sindicato Independente dos Mineiros da Ucrânia), por Christopher Ford, Campanha de Solidariedade com a Ucrânia.
Tradução de Rebeca Moore
Christopher Ford – Por favor, explique-nos o seu cargo no NGPU. Quantos trabalhadores representa; onde é que eles trabalham; e em que áreas da Ucrânia?
Nataliya Levytska – O sindicato independente dos mineiros da Ucrânia (NGPU) representa os trabalhadores das minas de carvão, ferro e minério de urânio, metais não ferrosos, turfa e energia. Tem representação nas regiões de Donetsk, Luhansk, Dnipropetrovsk, Kirovohrad, Chernihiv, Zhytomyr, Rivne, Volyn, Ivano-Frankivsk e Lviv – uma adesão de 43.500 pessoas contabilizadas no dia 1 de janeiro de 2022. No 9º Congresso do NGPU de 27 de maio de 2021 fui eleita para o cargo de primeira vice-presidente. Trabalho em sindicatos independentes há mais de 20 anos. O NGPU, juntamente com membros de organizações sindicais, luta pelos direitos dos mineiros, pela preservação dos empregos, prevenção da deterioração da legislação laboral e proteção social dos mineiros e das suas famílias.
CF – Qual é a visão dos sindicatos do NGPU sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia?
NL – O NGPU e as nossas principais organizações consideram o ataque da Rússia uma tentativa cínica do regime russo destruir a Ucrânia e seu povo. Desde os primeiros dias da invasão, muitos mineiros foram voluntariamente defender a terra ucraniana nas defesas territoriais e nas Forças Armadas da Ucrânia. A maioria dos nossos membros é voluntário e ajuda civis, militares e médicos. Consideramos o conflito russo-ucraniano uma guerra contra a democracia não apenas na Ucrânia, mas também na Europa e no mundo, bem como um genocídio do povo ucraniano.
CF – Já havia guerra em Donbas desde 2014 – como é que a situação mudou lá com a invasão russa a larga escala em fevereiro?
NL – Em 2014 a Rússia atacou a Ucrânia e ocupou parte dos territórios de Donbas. Algumas das minas localizam-se no território ocupado e realmente pararam de funcionar. Os mineiros e suas famílias foram forçados a deixar as suas casas e fugir porque estavam em perigo. As atividades do NGPU foram proibidas pelas autoridades de ocupação dos chamados ‘DNR’ e ‘LNR’ e em maio de 2014 os nossos líderes em Novogrodivka foram sequestrados e torturados.
Ao mesmo tempo, as minas em território ucraniano ainda estavam a funcionar, de modo que os mineiros tinham empregos e sustentavam as suas famílias. No território de Donbas, controlado pelo governo ucraniano, as autoridades locais e centrais investiram no desenvolvimento das comunidades locais, com a reconstrução de escolas e hospitais. Criaram-se novos empregos, construíram-se espaços infantis e campos desportivos, novos parques e praças, enquanto hospitais e escolas receberam equipamentos modernos. Mas a 24 de fevereiro tudo mudou.
Lysychansk, Severodonetsk, Popasna, Rubizhne e outras cidades da região de Luhansk foram destruídas pelas tropas russas. Quase todo o território da região de Luhansk está ocupado. A maioria dos moradores da região tornou-se refugiado, enquanto outros acabaram em campos de filtragem russos. Todas as empresas industriais foram destruídas. Não há eletricidade, gás ou abastecimento de água nas cidades. A maioria dos edifícios foi destruída e o parque habitacional está inutilizável. Os combates continuam na região de Luhansk e o inimigo usa bombas aéreas, foguetes e tipos de armas proibidas.
Batalhas ferozes continuam na região de Donetsk e os nossos membros também defendem heroicamente esta zona. A maioria das cidades da região de Donetsk está sujeita a bombardeios e ataques com foguetes, todos os dias, onde morrem civis. As cidades transformam-se em ruínas. As minas são submetidas a bombardeios e forçadas a interromper o trabalho. A infraestrutura da região está a ser destruída pelos invasores russos – escolas, hospitais, creches, igrejas, instituições culturais. Com a impossibilidade de preparar a estação fria, as autoridades anunciaram a evacuação dos moradores da região de Donetsk, mas os mineiros continuam a trabalhar heroicamente nas minas, apesar da ameaça às suas vidas devido aos bombardeamentos.
CF – Qual era a situação dos mineiros antes da invasão, as minas e a indústria funcionavam?
NL – As minas e empresas industriais no território das regiões de Donetsk e Luhansk detidas pela Ucrânia estavam em funcionamento. Os trabalhadores tinham um emprego e um salário, mesmo que houvesse atrasos no pagamento de salários aos mineiros.
CF – As minas deixaram de funcionar desde o início da invasão?
NL – Na região de Luhansk, todas as sete minas deixaram de funcionar. Algumas foram danificados por bombardeamentos, algumas foram inundados, mas o quadro completo é desconhecido porque os territórios estão sob ocupação russa. E desconhecemos também as consequências que isto terá para a ecologia da região.
Na região de Donetsk, duas minas em Vugledar pararam de funcionar porque foram destruídas por bombardeamentos. Outras estão operacionais, mas estão perto da zona de guerra.
CF – Qual tem sido o impacto da guerra nas condições de vida das comunidades mineiras, especialmente no leste e sul da Ucrânia?
NL – A guerra mudou a vida de todos os cidadãos da Ucrânia. Vivemos em condições de guerra todos os dias e todas as noites e quando ouvimos as sirenes de alerta não sabemos onde e quando a Rússia usará as suas armas contra nós. A Rússia não mata apenas a população, incluindo as crianças, mas também tenta quebrar psicologicamente o povo ucraniano que está a resistir e a defender os seus direitos democráticos.
CF – Os civis e as áreas civis estão a ser deliberadamente atacados pelas forças russas?
NL – Estou convencida de que a Rússia ataca deliberadamente alvos civis e a população, destruindo todas as infraestruturas e instalações de suporte à vida. Além disso, os equipamentos médicos e escolares, equipamentos industriais, grãos e tudo o que resta são retirados dos territórios capturados. Por exemplo, até os equipamentos dos parques de diversão para crianças foram retirados de Mariupol.
A KVPU, da qual o NGPU é uma organização membro, presta constantemente assistência a hospitais que foram danificados ou saqueados por tropas russas. Estamos gratos aos nossos irmãos e irmãs de outros sindicatos e parceiros pela sua ajuda. Além disso, as nossas organizações locais nas regiões de Donetsk e Dnipropetrovsk prestam assistência aos hospitais – de alimentos para bebes a equipamentos e geradores.
CF – A Rússia parece estar a tentar aterrorizar a população – como é que as táticas russas afetaram a vontade dos ucranianos de resistir?
NL – Os ucranianos recuperaram e estão a tentar defender-se com todas as suas forças. O terror só aumenta a resistência e o ódio aos inimigos. Estamos a fazer de tudo para aproximar a vitória: a população ajuda as Forças Armadas, arrecada fundos, organiza unidades voluntárias e aproveita a mais pequena oportunidade para resistir ao inimigo. Até as crianças são participantes ativos no movimento voluntário.
Imagine que pelo sétimo mês vivemos com sinais de alarme constantes, destruição das nossas cidades e ameaças de um desastre nuclear da Rússia. Alguns de nossos membros perdem os seus entes queridos em ataques aéreos e bombardeamentos, enquanto outros que se tornaram soldados morrem em combate. Apesar disso, os ucranianos continuam a lutar. O apoio internacional ajuda nisso, porque mostra que o mundo inteiro está connosco.
CF – Houve uma mobilização nas comunidades mineiras para se organizarem e ajudarem desde a invasão?
NL – Claro, todos ajudam. Uma família de mineiros das regiões de Donetsk e Luhansk encontrou proteção nas regiões de Lviv e Volyn. Mineiros de Donbas foram empregados nas minas da região de Dnipropetrovsk.
Como já mencionei, também ajudamos instituições médicas. Além disso, fornecemos assistência humanitária a todos aqueles que precisam, não apenas aos nossos membros. O dirigente do NGPU, Mykhailo Volynets, muitas vezes leva itens essenciais para as regiões de Donbas, Kharkiv e Chernihiv.
CF – Ao lado do Exército ucraniano, as forças de defesa territorial e outros batalhões em áreas de mineração e industriais são maioritariamente compostos por trabalhadores?
NL – Os membros do NGPU participam ativamente na luta contra o inimigo. Alguns foram mobilizados para as Forças Armadas da Ucrânia, outros juntaram-se às fileiras da defesa territorial, os restantes tornaram-se participantes em formações voluntárias para a proteção dos territórios. Até 24 de fevereiro, essas pessoas trabalhavam nas minas, extraíam carvão e faziam planos. Hoje protegem o país. Infelizmente, também temos baixas entre os mineiros mobilizados. Sim, mais de 20 mineiros da DC ‘Lvivcoal’ State Enterprise já morreram na frente e há mineiros de outras empresas estatais de mineração de carvão que também morreram. Além disso, os nossos membros do NGPU trabalham para garantir a independência energética da Ucrânia.
CF – Nas mobilizações locais para prestar socorro e organizar a defesa, há um envolvimento significativo das mulheres ao lado dos homens?
NL – As mulheres defendem o país junto com os homens. De acordo com o Ministério da Defesa, 5.000 mulheres estão na primeira linha de defesa. Além disso, as mulheres desempenham um papel importante no movimento voluntário.
Os nossos membros são voluntários nas regiões de Donbas, Dnipropetrovsk e Kirovohrad. Mesmo aqueles que atualmente são refugiados forçados na Europa estão a tentar ajudar: arrecadam fundos, compram e entregam medicamentos e suprimentos para os militares e ajudam a organizar o apoio à Ucrânia nas cidades europeias.
CF – Qual tem sido o papel do NGPU desde o início da invasão?
NL – Desde os primeiros dias da invasão em grande escala, os membros do NGPU participaram activamente na defesa do país. Além disso, os membros do NGPU trabalham na extração do carvão que o país precisa.
O NGPU começou imediatamente a usar os seus recursos para ajudar as comunidades e os defensores afetados. Estamos gratos pela ajuda que recebemos de nossos irmãos e irmãs, porque agora as nossas oportunidades de trabalho diminuíram devido à destruição da economia e ao desemprego crescente. A Rússia está a destruir deliberadamente os nossos negócios e infraestruturas para destruir o nosso estado, bem como para se livrar de um concorrente nos mercados globais.
CF – O NGPU está a organizar ajuda e assistência às famílias das comunidades mineiras?
NL – O NPGU presta assistência humanitária aos mineiros e às suas famílias, ajuda-os a evacuar para cidades seguras. Presta também outras assistências necessárias.
CF – Todos os sindicatos estão organizados para defender a Ucrânia da invasão?
NL – Hoje, todos os cidadãos da Ucrânia, incluindo os membros de todos os sindicatos, estão a levar a cabo todos os esforços para combater o inimigo e aproximar a vitória.
CF – Anteriormente havia alguma divisão entre os sindicatos na Ucrânia. A guerra levou a uma maior solidariedade em toda a Ucrânia entre os sindicatos?
NL – Pode haver diferenças entre os sindicatos e não só, mas agora estamos unidos na luta contra o inimigo.
CF – A Rússia alega que está a lutar para ‘libertar’ Donbas e outras áreas dos ‘nazis’? Como responde a essa acusação?
NL – Nunca houve nazis na Ucrânia e não há atualmente. Não há partidos radicais de direita no parlamento ucraniano. Tanto os políticos do mundo quanto as celebridades vêm à Ucrânia e veem isso por si mesmos. Não precisamos de proteção e libertação de ninguém. A Rússia usou o “nazismo” para fins de propaganda e como pretexto para um ataque.
Os ucranianos são uma nação amigável, trabalhadora e livre. Nós nunca atacamos ninguém. E se vemos que o governo está a fazer algo errado, vamos a Maidan e resolvemos todos os problemas. Nenhuma agressão deterá as nossas aspirações europeias e democráticas.
CF – Entre as forças russas parecem existir grupos fascistas de extrema direita. Qual é a política das forças russas, incluindo a chamada República Popular de Donetsk?
NL – Todos aqueles que lutam contra a Ucrânia no nosso território são fascistas, a quem chamamos racistas. O que estão a fazer na nossa terra é pior do que o que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. A propósito, as pessoas que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial ficam surpresas com as atrocidades atuais dos Rashistas.
CF – A Rússia também sugere que há uma ameaça à língua russa na Ucrânia e de ‘genocídio’ contra os falantes de russo e russo?
NL – Isso é ilusão pura. Na Ucrânia, as pessoas sempre foram capazes de falar a língua com a qual se sentem confortáveis. Não houve opressão dos cidadãos de língua russa. Como uma pessoa que nasceu e cresceu no Donbass e que falava russo, nunca me senti oprimida pela minha língua. Mas agora mesmo os cidadãos de língua russa estão a tentar falar ucraniano.
CF – Como é que a guerra impactou a forma como as pessoas pensam sobre a língua ucraniana e a identidade nacional?
NL – Temos orgulho de ser ucranianos e todos tentamos falar ucraniano.
CF – Qual é a situação atual nas áreas ocupadas da Ucrânia?
NL – Segundo as informações dos nossos membros que permaneceram no território ocupado, a situação é difícil. Em Donbas, os homens têm medo de sair porque estão a ser mobilizados à força para o exército russo. Eles procuram pessoas com uma posição pró-ucraniana e forçam-nas a obter passaportes russos. Aqueles que se recusam são submetidos à tortura. Todos passam por campos de filtração. Além disso, a língua ucraniana e a educação nas escolas de acordo com o currículo ucraniano são proibidas nos territórios ocupados. Os moradores dos territórios ocupados esperam pelas Forças Armadas da Ucrânia, mas não falam abertamente sobre isso. Há também um movimento de resistência nesses territórios.
CF – Existe movimento sindical livre nas áreas ocupadas?
NL – Não.
CF – Com uma recessão económica crescente, algumas pessoas no Reino Unido argumentaram que deveria haver um cessar-fogo e paz agora – como responde a tal posição?
NL – Queremos a paz, mas não estamos dispostos a abrir mão dos nossos territórios. Em 2014, cedemos a Crimeia, então parte de Donbas, sem disparar um único tiro, mas isso não apenas não levou à paz, como também levou a uma guerra a grande escala em solo ucraniano. Já sabemos que a Rússia não adere a nenhum acordo. Portanto, lutaremos até à vitória e esperamos que o mundo inteiro nos apoie. Porque lutamos não só por nós próprios, mas também por todos os países europeus.
CF – Você acha que uma paz que envolve a divisão da Ucrânia é aceitável?
NL – A Ucrânia é um país livre e independente. Não queremos que ninguém nos divida e não vamos permitir isso.
CF – Já se discute a reconstrução da Ucrânia após a guerra. Acha que a luta atual pela libertação nacional também deve ter objetivos sociais?
NL – Devemos reconstruir uma Ucrânia social e europeia. O nosso objetivo para a reconstrução social da Ucrânia deve ser um salário digno, empregos de qualidade, condições de trabalho seguras e justiça social. E os sindicatos devem ser sempre uma ferramenta eficaz para proteger os direitos dos trabalhadores.
CF – O parlamento ucraniano está a processar leis que prejudicarão significativamente os direitos do trabalho e as condições dos trabalhadores, como o Projeto de Lei .5371. Qual é a sua opinião sobre essas novas leis?
NL – As novas leis devem cumprir as normas internacionais e europeias, proteger os trabalhadores e criar novos empregos. Estamos neste momento a lutar contra o Projeto de Lei 5.371 e outros projetos de lei que violam os direitos dos trabalhadores.
CF – Qual acredita ser o motivo dessas mudanças?
NL – Talvez alguns representantes das autoridades acreditem que, se desregulamentarem as relações do trabalho, aumentarão os investimentos no país. Mas não é assim. A deterioração da legislação do trabalho terá um impacto negativo na economia pós-guerra da Ucrânia.
CF – Acha que essas mudanças podem ser revertidas?
NL – Faremos o possível para que isso aconteça.
CF – Que solidariedade é que os sindicatos do Reino Unido podem dar-vos?
NL – Ficaremos gratos por qualquer apoio e ajuda solidária.
CF – Devemos fazer campanha para que o governo britânico envie mais armas para a Ucrânia?
NL – Deve ser assim, porque a nossa defesa e a nossa vitória dependem do número de armas.
CF – Apoiamos o vosso pedido de ajuda – pode explicar que ajuda específica é necessária para ajudar a resistência dos mineiros?
NL – Os ucranianos, onde se incluem os mineiros, precisam de ajuda humanitária e militar. Qualquer ajuda será muito apreciada. Por exemplo, os membros do NPGU que defendem o país precisam de veículos, veículos aéreos não tripulados, termovisores, equipamentos médicos, armazenamento de longo prazo e produtos de cozedura rápida. E as famílias mineiras que foram obrigadas a mudar-se para outras regiões precisam de agasalhos, aquecedores, geradores e alimentos. Juntamente com o apoio de nossos irmãos e irmãs sindicalistas, definitivamente venceremos!
Fonte: Ukraine Solidary Campaign