Por Igor Constantino, Ferroviário. Membro da Sub-CT da Oficina de Campolide da CP.
Os trabalhadores da CP – Comboios de Portugal estiveram ontem em greve convocada pelo SNTSF – Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector do Transporte Ferroviário (CGTP) e pelo SFRCI – Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial e Itinerante. A greve suprimiu a imensa maioria dos comboios do país. A própria CP fala em 93%. Esta greve foi convocada após plenários descentralizados em vários pontos do país para exigir um aumento salarial para todos de 90€, mas também uma resolução favorável aos trabalhadores de uma negociação que há muito se arrasta em torno de um novo Acordo de Empresa (AE) unificado que abranja todos os trabalhadores da CP, incluindo os trabalhadores das suas oficinas que entre 1993 e 2020 constituíram a EMEF, empresa pública de manutenção ferroviária que abrangia também as oficinas do Metro do Porto.
No período em que a EMEF constituiu uma empresa pública distinta da CP, os respectivos AE divergiram quanto a alguns pontos. O que acontece é que após mais de 2 anos de protelação, em janeiro deste ano a administração da CP, empoderada pelos resultados eleitorais que conferiram ao governo a maioria absoluta, apresentou aos sindicatos uma proposta de acordo de princípio (para a negociação de um AE unificado) em forma de chantagem, que comprometia aqueles que o assinassem com não negociar quaisquer cláusulas com impacto financeiro para a empresa num futuro próximo. Em questões em que, por exemplo, os trabalhadores da EMEF auferiam valores superiores aos da CP, como subsídio de refeição, subsídio nocturno ou pagamento de horas extraordinárias (em tempos negociadas em troco de outras situações menos vantajosas para os primeiros), a política da CP foi de nivelar todos por baixo, impondo assim uma redução efectiva de alguns rendimentos a estes trabalhadores, já de si nada generosos. Há cerca de 12 anos que os ferroviários não têm atualização salarial significativa. Existem categorias profissionais que no ano 2000 teriam um salário base de 185% o valor do Salário Mínimo Nacional, e de 235% no topo de carreira, e hoje essa proporção está nos 118% e 135% respectivamente. Ora o aumento de 0,9% para a função pública traduz-se para a maioria dos ferroviários em cerca 30 cêntimos por dia. Num período em que a inflação dispara, apenas se prevê que suba mais ao longo do ano, e há já um aumento do custo de vida de 7,2%, se, no mínimo, os aumentos não acompanham a inflação, iremos ganhar menos, e não mais, e é preciso que não o esqueçamos: não nos estão a dar nada, estão-nos a tirar.
Esta nova proposta de AE, para os trabalhadores das oficinas, por exemplo, apresenta uma proposta de Regulamento de Carreiras em que passaremos a demorar cerca de 30 anos a chegar ao topo de carreira (!) se tudo correr bem; pressupõe a redução das horas de assistência à família; não só na manutenção, mas também nos manobradores e na revisão comercial e bilheteiras, uma maior acumulação de funções, a velha “polivalência” (que é fazer tudo por menos dinheiro), o que é mau não só para os trabalhadores como para a segurança e qualidade do serviço público de transporte. Como contraponto a todas estas desvantagens, a CP acena com algumas progressões com efeito imediato de alguns trabalhadores nos níveis mais baixos que tenham entrado recentemente para a empresa, na tentativa de fazê-los optar por alguns aumentos no imediato (que tanta falta fazem), em troco de hipotecar o futuro, e também com prémios de assuidade que na prática vão prejudicar trabalhadores que por variadas razões não cumpram com esses critérios, seja por assistência à família, ou baixas médicas (tantas vezes o resultado de doenças profissionais não assumidas pelas empresas).
Acontece que nos últimos meses o Governo adotou a típica estratégia de negociação de qualquer grande empresa, pública ou privada: havendo já alguns sindicatos que assinaram o primeiro acordo de princípio, a administração da CP diz agora apenas negociar com estes, ficando sindicatos como o SNTSF ou o SFRCI de fora ( veja-se CP desmarca reunião – SNTSF ). Ou seja, primeiro assinam um documento a dizer que até se pode tirar um euro daqui, e meter acolá, mas aumentar as despesas com pessoal, fica fora da mesa durante dois anos: quem não assinar, está fora de jogo. A tática é já conhecida: ameaçam que quem não assinar, poderá ficar remetido à lei geral, e já começaram as pressões individuais sobre trabalhadores para assinarem o novo AE individualmente, por agora, através de propostas de mudança para os sindicatos que já assinaram.
Antes de ser ferroviário fui mecânico de aeroestruturas nas OGMA em Alverca, onde em 2012 ocorreu um processo semelhante: houve um AE assinado por um sindicato minoritário, mas que lentamente foi sendo aplicado forçadamente a todos os novos trabalhadores (só entra, quem assinar), e a todos aqueles que individualmente acabaram por assinar para não ficarem sujeitos apenas à lei geral do trabalho, com baixíssimas remunerações pelas horas extra, entre outras indignidades.
A administração da CP tem duas faces: a moderna e simpática das inaugurações e anúncios de investimentos na ferrovia, que dá palmadas nas costas nos bravos trabalhadores que suportam a CP, e a chantagista e indiferente que propõe que os trabalhadores comam o que há, e não reclamem, se não nem isso levam.
A única forma de isso não acontecer na CP é continuarmos a lutar da forma mais unitária possível. A adesão do SFRCI a esta greve é um passo na direção da unidade muito importante, e que proporcionou que a greve tivesse um impacto que apenas os trabalhadores das oficinas não conseguiriam ter. É preciso estreitar laços entre aqueles que lutaram neste dia, para exigirmos que as negociações continuem e melhor podermos chegar a todos os trabalhadores do sector.