“Queremos agradecer a Jeff Bezos por ter ido ao espaço, porque enquanto ele lá estava, nós estávamos aqui a organizar os trabalhadores” – Chris Smalls (Presidente do ALU, Sindicato dos Trabalhadores da Amazon)
Foi no passado dia 1 de Abril que se deu num armazém da Amazon, a gigante multinacional do (multi) bilionário Jeff Bezos um dos 5 homens mais ricos do Mundo, em Staten Island (Nova Iorque) um momento histórico para o movimento sindical e para a classe trabalhadora. Pela primeira vez na história da Amazon, os seus trabalhadores nos Estados Unidos (EUA) votaram a favor da criação dum sindicato na empresa, o Amazon Labor Union (ALU), com 2645 votos a favor contra 2131 a votarem não.
Para melhor se compreender a importância e diria mesmo, a magnitude deste momento, é necessário não só explicar a postura e reiterada acção anti-sindical da Amazon em toda a sua força. Mas tão ou mais importante que isso, é necessário compreender como apesar de terem enfrentado de frente este “gigante” (e enfrentarão ainda mais a partir de agora um verdadeiro colosso mundial que teve só em 2021, 33.6$ biliões de lucros e que ao mesmo tempo, paga aos seus mais de milhão e meio de trabalhadores, salários abaixo do limiar da pobreza), como um grupo de trabalhadores sem anterior experiência sindical, organizativa, etc, conseguiu esta primeira e enorme vitória. Num país (EUA) onde para se formar legalmente um sindicato, 55% dos trabalhadores têm de votar a favor, enfrentando sempre que o tentam, todo o tipo de pressões.
Estamos portanto, perante um verdadeiro momento “David e Golias” em que o(s) mais “pequeno(s)” leva(m) de vencida o mais “forte”. Outros dirão (e bem), que estamos perante a luta de classes a desenrolar-se em mais um dos seus capítulos, desta vez com uma inegável e moralizadora vitória da classe trabalhadora.
Foi em Março de 2020, no auge da pandemia COVID-19 que Chris Smalls e o seu amigo e colega Derrick Palmer, dois trabalhadores afro-americanos do amarzém JFK8 da Amazon em Staten Island organizaram um protesto contra a falta de condições de saúde e segurança por parte da empresa aos seus trabalhadores, exigindo maiores medidas de protecção contra o vírus. Apesar de nessa primeira acção apenas terem participado à volta de 50 trabalhadores, incluindo os próprios Smalls e Palmer, a resposta da Amazon não se “limitou” apenas a negar-se a ir ao encontro destas exigências mais básicas. A resposta da Amazon foi violenta desde logo, tentando fazer de Smalls um “exemplo”, despedindo-o sob o pretexto de que para organizar o protesto, “não respeitou as normas da empresa a nível de quarentena e distanciamento”, apesar daquele nunca ter testado positivo ao COVID.
Mas em vez de desistirem, tal facto fez com que Smalls, Palmer e outras e outros trabalhadores do armazém JFK8 ganhassem ainda mais vontade e resolução, agora não só para exigirem condições mínimas, mas para organizarem um sindicato na própria Amazon.
Inicialmente tal começou por ser uma mesa improvisada numa paragem de autocarro frente ao armazém onde Smalls e outros camaradas iam falando e ouvindo as queixas dos e das colegas que entravam e saiam dos turnos em laboração contínua, mas rapidamente e à medida que os números dos trabalhadores sindicalizados aumentaram, a mesa tornou-se numa tenda onde os organizadores levavam comida e bebida aos seus companheiros e companheiras, tornando-se num imenso movimento de solidariedade de classe, fazendo uso das novas tecnologias (até grupos de Whatsupp os trabalhadores criaram), ou recorrendo a donativos e usando ao mesmo tempo, uma estratégia de acção directa e de agitação.
Como seria de esperar, a Amazon como é seu apanágio e com todo o seu poderio financeiro atacou e contra-atacou em todos os momentos, usando de todo o tipo de subterfúgios e métodos cada vez mais “sujos”. Desde voltarem a usar o “exemplo” de Bessemer no Alabama, em que as tentativas de formar um sindicato no armazém nessa localidade foram “bombardeados” com todo o tipo de propaganda anti-sindical (que foram de SMS’s, panfletos, a reuniões obrigatórias das chefias com os trabalhadores contra os sindicatos) até uso dos dados pessoais e biométricos dos trabalhadores para os vigiar1+2, ou de simplesmente difamar e menorizar Smalls em particular, chamando-o de “pouco articulado e pouco inteligente”.
Até chegar ao ponto em Staten Island, da Amazon contratar a agência privada Pinkerton, historicamente (e tristemente) famosa por ser um verdadeiro braço armado da classe patronal para espiar, perseguir e ameaçar fisicamente trabalhadores que ousam lutar contra o sistema, desde há gerações. Como senão bastasse, Chris Smalls chegou mesmo a ser preso em Fevereiro deste ano juntamente com dois outros camaradas e trabalhadores do armazém, quando estavam a distribuir comida aos outros trabalhadores. Mas toda a estratégia anti-sindical, de verdadeiro “union busting” da Amazon saiu-lhe literalmente pela culatra no JFK8, quando em vez de assustar e desunir os trabalhadores, o resultado foi precisamente o contrário, unindo todos e todas, muitas e muitos trabalhadores imigrantes (alguns nem inglês falam) em torno do seu sindicato.
O exemplo dos trabalhadores da Amazon de Staten Island e do ALU é também prova na realidade e na prática de que o sindicalismo tem de ser construído, organizado, diria mesmo sentido pelos trabalhadores que estão nos locais de trabalho, que sentem e partilham entre si as dificuldades da exploração laboral. É um exemplo que demonstra e prova como as vitórias reais são alcançadas de baixo para cima e não o contrário.
É também prova que mesmo num país como os EUA com intensas leis anti-laborais que dificultam até a legalização das suas organizações, que o futuro da classe trabalhadora está em saber unir-se a si própria em toda a sua diversidade, independentemente da língua, da religião, género e raça. É sintomático de como os trabalhadores do ALU, tal como noutros exemplos recentes (trabalhadores da Starbucks, por exemplo, entre outros), fazem parte dos sectores de actividade mais necessários e simultaneamente, mais precários no sistema capitalista como a distribuição, alimentação, limpeza, etc, e são também os e as trabalhadoras que na sua maioria vêm das camadas mais precárias e exploradas da classe. Homens e mulheres negras, imigrantes oriundos(as) da América Central, da América do Sul, da Ásia, em que tantas e tantos viveram ainda recentemente as grandes lutas do Black Lives Matter, do “Defund the Police”, ou que noutros casos têm ainda de enfrentar a realidade de trabalharem e viverem num país onde nem sequer são imigrantes “legais”, o que demonstra que as lutas laborais estão e têm de estar intrinsecamente ligadas à luta contra a opressão em todas as suas formas.
É assim, o lugar de fala mas mais que isso, é a “escola” como diria o velho Lenine, que prepara a classe para se libertar dos grilhões da exploração e semear no presente um futuro mais justo, mais fraterno e verdadeiramente livre.
1https://www.businessinsider.es/exigen-amazon-explique-como-trata-datos-trabajadores-1027833?fbclid=