Violência de género não é entretenimento

Ontem Bruno de Carvalho foi finalmente expulso do Big Brother Portugal, depois de vários dias de revolta nas redes, queixas dirigidas à APAV e uma denúncia por parte da Cidadania e Igualdade de Género (CIG) ao Ministério Público (MP) por violência doméstica. Em causa estava a relação entre Bruno de Carvalho e outra concorrente, Liliana Almeida. As emissões do programa demonstram o escalar de um clima de ameaça, intimidação e agressão física, atitudes que configuram crime de violência doméstica. 

Bruno de Carvalho abandonou o Big Brother na gala de Domingo, com 53% dos votos do público a favor da sua saída, após uma semana intensa de polémica. A cumplicidade da TVI, ao não expulsar imediatamente o concorrente após inúmeros episódios de violência psicológica e física, permitindo que a situação se mantivesse no ar, sem qualquer preocupação em proteger a mulher envolvida, demonstrou que o que mais interessa são as audiências e o dinheiro que isso acarreta. A gala foi a confirmação da atitude negligente e criminosa da TVI, evidente nas palavras de Cristina Ferreira “Tento ser imparcial e não julgar qualquer tipo de comportamento de uma pessoa, neste caso jogador, dentro da situação em que está exposto.“, dando espaço a que Bruno de Carvalho se justificasse e expondo Liliana a mais um episódio de violência. Cristina Ferreira incorre noutro erro gravíssimo quando afirmou que só o amor resolve as situações, mesmo aquelas mais condenáveis. 

Não há imparcialidade quando se trata de violência e não, o amor não resolve tudo. Não são crimes passionais, não são ciúmes porque ele gosta muito de ti, é violência, é agressão, é manipulação e é crime.  

“O problema és tu”

Violência de género não é entretenimento, não são visualizações, não é click bait nem é motivo de popularidade. Violência de género é um problema grave que é constantemente normalizado na nossa sociedade, ao ponto que uma em três mulheres, ao longo da sua vida, sofrerá algum tipo de violência por ser mulher e as queixas não refletem estes números. A constante culpabilização das mulheres pelas situações de violência a que estão sujeitas é o pão nosso de cada dia – ou porque devíamos ter abandonado a relação o quanto antes, ou porque provocamos ou porque não entendemos as frustrações do nosso agressor.

A discussão que importa não é, no momento de um episódio da violência, culpar a vítima por não entender a situação de agressão que vive – há muitos fatores que explicam a dificuldade de identificar e atuar sobre situações de violência de género. Não somos educadas para entender que o controle, a manipulação, excesso de força física etc. são sintomas de uma situação ou relação violenta. É nos dito que é por amor, que ele gosta muito e tem medo de nos perder ou até que há homens piores. 

A discussão fundamental é como intervimos nestas situações para proteger a mulher, afastando-a e capacitando-a para se libertar, quais são os mecanismos e o suporte que existem. A TVI expressou uma saída popular – confrontar, em praça pública, a vítima e desculpar o agressor porque foi só por amor. Legitimar e normalizar atitudes de violência em horário nobre e com milhares de pessoas a ver. Não capacitar para identificar o problema e agir sobre ele. 

Vamos juntas

Porém, as mulheres que se revoltaram nas redes sociais, que ligaram para a APAV e que denunciaram o crime demonstraram que o caminho é outro – o da proteção das vítimas e da solidariedade onde ninguém fica para trás. Não há como normalizar a violência. Não há como culpar a Liliana pelas atitudes de Bruno de Carvalho (que atenção, tem vários antecedentes de violência, inclusive em relações amorosas). Não há como desculpar a atitude da TVI, que não atuou de imediato para desfazer esta situação perigosa.

A nossa revolta é imensa, mobilizadora e transformadora – reagir a situações de injustiça, de violência e de opressão é uma arma poderosa que é construída diariamente e que tem o poder de nos unir. Ter a coragem de levantar a voz e denunciar, para que mais mulheres e meninas entendam o que é a violência de géenro, lutar por mais e melhor proteção, por leis que se baseiam nos problemas reais e que tem aplicabilidade, reivindicar serviços públicos que nos auxiliam e bater-se por formação que combata a normalização da violência e que aponte alternativas é essencial. 

Violência doméstica é para ser erradicada e não capitalizada.

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