Como e quem normaliza o Chega?

As duas últimas semanas têm sido pródigas em comentários ou declarações na comunicação social, em que se compara o Chega, partido neofascista, ao BE e PCP com o propósito de justificar a eleição de Diogo Pacheco Amorim, deputado neofascista e ex-membro do grupo terrorista MDLP, para vice-presidente da Assembleia da República (AR).

Na verdade, a comparação do Chega com o PCP e BE, não sendo de agora, visa por um lado normalizar o Chega, torná-lo um partido aceitável aos olhos da população. Alguns fazem-no porque acreditam que a direita para voltar ao poder necessita do Chega, como é o caso de João Miguel Tavares (JMT) ou José Miguel Júdice (JMJ). Por outro lado, serve também para atacar a esquerda, demonizando-a. Tanto JMJ, JMT e órgãos de comunicação social como o Observador, Jornal I ou o grupo Cofina (Correio da Manhã, Sábado, etc.) são useiros e vezeiros neste tipo de comparações esdrúxulas, e a pretexto da eleição do vice-presidente da AR, outros se juntaram na normalização do Chega, mesmo utilizando outros argumentos.

Carlos Guimarães Pinto da Iniciativa Liberal (IL), utiliza a tradição para justificar esta eleição, o que por si só não significa nada. Para quem se reivindica como liberal e moderno, esta posição só se torna mais caricata e demonstra que, mal acabou a campanha eleitoral, a IL está disponível a dar a mão ao Chega, ajudando-o a naturalizá-lo.

Na verdade, a normalização do Chega vem acontecendo gradualmente com a sua integração nas instituições. Começou logo com a sua legalização por parte do Tribunal Constitucional, quando o Chega é claramente um partido que pela sua ideologia é inconstitucional. Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), é também um dos responsáveis, recordemos que aquando das eleições nos Açores, em novembro de 2020, este não viu como um problema a posse de um Governo dependente do Chega. Ao não levantar um cordão sanitário ao Chega, a consequência foi torná-lo um partido “normal” como os restantes.

A par de MRS estão todos os partidos da direita que na mesma situação dos Açores aceitaram o apoio do Chega. O desespero da direita de voltar ao poder conduziu-a a aceitar o apoio do Chega. Aliás, vimos esse mesmo desespero nas eleições legislativas, com o triste espetáculo de Rui Rio a relativizar a proposta de prisão perpétua de André Ventura (AV).

Infelizmente, esta normalização não se ficou pela direita. Todos nos lembramos do primeiro-ministro, António Costa, há cerca de um ano numa entrevista ter comparado AV a Mamadou Ba, com a triste frase “Nem André Ventura nem Mamadou Ba representam aquilo que é o sentimento da generalidade do país”. Infelizmente, equiparando um neofascista que defende, por exemplo, confinamentos específicos à comunidade roma, a castração química ou a prisão perpétua a um ativista antirracista comprometido com a luta pelos direitos humanos.

Mas um dos argumentos utilizados e que, em diferentes momentos, é transversal, incluindo em alguns sectores da esquerda, é o de “dar palco” ao Chega quando se menciona ou se ataca este partido. Recentemente, Marques Mendes utilizou este mesmo argumento e sentenciou “Depois não se queixem que o Chega suba nas sondagens e votações e ameace a democracia[1].”

“Dar Palco ao Chega”

Importa pensar sobre este argumento por precisamente ser muito popular em todos os quadrantes. Ao contrário de Marques Mendes, há pessoas genuinamente preocupadas com a ascensão do Chega que defendem que a melhor tática para o derrotar, é ignorá-lo. Defendem que o melhor é “não cair nas provocações de AV e do Chega”, pois este tem o “objetivo de gerar polémicas para ter mais palco”.

Concordando que o Chega e AV tentam gerar polémicas para marcar a agenda política, isso não nos pode levar a concluir que o melhor é não dizer ou fazer nada perante as barbaridades ditas.

A discussão da melhor tática para derrotar o neofascismo não se circunscreve geograficamente, deu-se e ainda se dá em países como o Brasil, que têm um neofascista no poder, nos EUA ou em França.

Olhando historicamente para exemplos como o da ascensão ao poder de Mussolini, em Itália, ou Hitler, na Alemanha, verificamos que um dos principais problemas foi precisamente o inverso. Ou seja, a total passividade nuns casos e noutros a ajuda por parte das elites na integração em Governos e nas instituições destes partidos fascistas.

Não será este o artigo que se esmiuçará todos os fatores que levaram a que Mussolini e Hitler tomassem o poder. Mas a verdade, é que ambos foram sendo normalizados na esfera pública através de convites para o Governo por parte de partidos de direita ou burgueses. E tanto num caso como noutro o que primou não foi o excesso de combate e menção do perigo que representa o fascismo, ou hoje em dia, as organizações neofascistas. Aliás, ignorar estas organizações e, por sua vez, a sua ideologia, que se apoia, na verdade, na ideologia dominante (burguesa), é inclusive ingénuo, visto que é impossível derrotar quem domina sem combate.

Nunca poderemos combater o neofascismo, se não combatermos ideologicamente as suas ideias, como o racismo, a LGBTfobia, o negacionismo climático e o machismo.

Por outro lado, a sua derrota só é possível se conseguirmos a par da luta ideológica estabelecermos uma ampla unidade de ação para manifestações de rua. A rua e a unidade são fulcrais na derrota do fascismo, e os exemplos históricos também nos demonstram que a disputa da rua é determinante para aniquilar o neofascismo.

O Exemplo da Grécia e da Aurora Dourada

Mais recentemente temos o exemplo da organização nazi, Aurora Dourada, que foi derrotada na Grécia.

Numa entrevista[2] um dos membros da Frente antifascista afirmava a importância para a vitória sobre o partido nazi grego da unidade das várias organizações da classe trabalhadora e de terem conseguido tornar a luta contra o neofascismo como uma luta da classe trabalhadora de conjunto.

Como defendeu Joana Mortágua[3], deputada do Bloco de Esquerda, no Jornal I, o cordão sanitário à volta do Chega é importante para os derrotar e o voto contra a eleição de Diogo Pacheco Amorim insere-se nessa mesma tática. Olhando novamente para o exemplo grego, foi também isso que a frente antifascista fez quando, por exemplo, organizou uma campanha em que exigia à ERT (a televisão estatal) que a Aurora Dourada fosse impedida de aparecer no seu canal, o que conseguiram através do apoio do Sindicato dos jornalistas. Estes sempre que tinham um Nazi num programa da ERT, faziam greve conseguindo assim que os dirigentes da Aurora Dourada não aparecessem na televisão.

Estes exemplos devem-nos servir para à esquerda nos articularmos para se fazer um verdadeiro cordão sanitário ao neofascismo e exigindo também um posicionamento categórico aos restantes partidos e instituições do estado português.


[1] https://onovo.pt/politica/nao-aceitar-chega-na-vice-presidencia-da-ar-e-dar-margem-a-ventura-para-fazer-se-de-vitima-JB9470821

[2] https://semearofuturo.com/2021/02/10/como-esmagamos-a-aurora-dourada/

[3] https://ionline.sapo.pt/artigo/761931/o-cordao-sanitario-faz-bem-a-democracia?seccao=Opiniao_i

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