Mais uma hipótese controversa (e optimista) ou um diálogo de e com a Esquerda para a(s) saída(s) no futuro pós eleições de dia 30 janeiro

Depois de uma primeira e ainda incompleta (mas muito consequente e certeira) reflexão/contribuição por parte do meu querido companheiro e camarada Manuel Afonso permito-me também contribuir para o necessário e diria, obrigatório diálogo construtivo. Diálogo esse ainda que humildemente e exactamente como tal, como diálogo portanto, pretende e deve ser muito mais abrangente a toda a Esquerda e ao “povo da Esquerda”, parafraseando uma expressão recorrente e também ela mesma correcta, usada pelo Manel (e por nós), e que não pode cingir-se apenas à vida “interna” deste ou daquele colectivo apenas.

Antes demais, é preciso dizer com “todas as letras”, a Esquerda, do PS isto é, foi copiosamente derrotada. Podemos dizer e também é verdade, que se trata duma derrota “eleitoral” e que a Esquerda é muito mais (e é, e já lá chego), que a soma dos resultados eleitorais dos seus partidos mais representativos, BE e PCP, e que face à sua própria composição e base, não se esgotam na acção e intervenção parlamentar. Mas não só tal soaria a “desculpa”, como face ao que logicamente ambos os partidos teriam como um dos seus principais objectivos para estas eleições, evitar uma maioria absoluta do PS e ao mesmo tempo, conseguir uma maioria parlamentar de Esquerda evitando ao mesmo também uma maioria de direita, que tal objectivo eleitoral de curto prazo (?) falhou e falhou rotundamente. Constatar tal facto, não é de longe uma análise minimamente profunda, é tão somente isso mesmo, constatação de um facto indesmentível que os próprios resultados comprovam.

Poderia aqui “dissertar” em análises e “criticas” para tal facto, mas seria uma facilidade visto já terem acontecido, pelo que seria exactamente o oposto duma análise construtiva, tão pouco “auto-crítica e não se coaduna com explicações “fáceis”, como a “penalização do chumbo no OE” por parte de BE e PCP/PEV, ao mesmo tempo que se critica “6 anos de apoio parlamentar ao PS”. No entanto, é um  facto também indesmentível, parece-me, que existiu voto “útil” no PS de grande parte do eleitorado que normalmente se revê à sua Esquerda, e que esse voto “útil” como o Manuel Afonso também apontou e bem, teve e tem a ver mais com um receio do que seria o regresso da direita ao poder, coligada ou não, “geringonçada à direita” ou não, e esse receio não pode nem deve ser considerado de somenos importância, nem despiciendo ou desvalorizado por nós. Mas, e numa pequena auto-crítica, penso que em determinada altura principalmente na última fase da campanha, que teremos cometido o erro de desvalorizar a real possibilidade duma maioria absoluta do PS. Já não a víamos, à maioria absoluta, como possível, e ainda que não estejamos “sozinhos” também aí pelas mais variadas razões, a começar nas sondagens, o facto é esse, desvalorizámos em conjunto essa possibilidade.

Como disse, no entanto essas são análises que vão muito além dos números e do “momento”, e devem ser feitas com a devida calma, ponderação e colectivamente, para não se perder de vista o essencial que a realidade “matemática” ajuda a comprovar, mas que só por si mesma pode não ser assim tão clara. E nesse sentido, mais do que a maioria absoluta do PS, mais do que a direita ter sido impedida mais uma vez de chegar ao governo, é preciso diria, ver algo que os resultados de ontem também nos deixam claro. O crescimento exponencial da extrema direita e consequente reconfiguração da direita, desde logo em termos parlamentares, com o Chega a passar de um para doze deputados, ou seja, terceira força politica na AR, e o próprio IL, um “fenómeno” que merece ele mesmo uma análise mais continuamente aprofundada, (algo que o nosso camarada André Leal já começou a fazer, e muito bem aqui e aqui), pois parece-me que este partido em especial poderá consolidar-se como um partido de “regime” no futuro, e que passa também de um para oito deputados. É verdade que muito do crescimento destes dois partidos se fará em grande parte à custa da dispersão/transferência de votos do PSD e principalmente do CDS, mas não se esgota aí e penso que cometeremos um erro se partirmos do principio que Chega e IL terão chegado ao seu “limite” eleitoral. Nada neste momento o faz prever, pelo contrário.

Mas onde pretendo chegar é aqui: o resultado em especifico do Chega vem comprovar algo que a Esquerda parlamentar tem ela própria medo de enfrentar “olhos nos olhos”. Que existe uma parte significativa da população em Portugal que “aceita” e se revê num projecto declaradamente neo-fascista, racista, xenófobo e lgbtqfóbico com laivos de saudosismo do colonialismo, mas que, até AV “aparecer” com a sua inegável valia retórica e antes do Chega, não tinha até aqui em quem votar de forma mais “convicta”. Não pretendo com isto simplificar e impedir que se analise de forma mais aprofundada e sem “dogmas” a base eleitoral que vota Chega num debate que é ele mesmo importante que se continue a fazer. Mas negar ou “fechar os olhos” ao que me parece cada vez mais uma evidência, ainda que não “explique tudo”, e que sucessivos actos eleitorais só têm vindo a reforçar, daquele que é um problema estrutural em Portugal, ou seja, que Portugal é um país estruturalmente racista, e que não resolveu o seu próprio passado recente e menos recente, com reflexos óbvios no presente e no dia a dia, seria mais que um erro, seria suicídio. É preciso enfrentar essa realidade, tão “simples” quanto isto, e quanto mais cedo o fizermos melhor.

Melhor em que sentido? Exactamente porque se também há algo que paradoxalmente os resultados eleitorais de dia 30, à primeira vista, mostram, e aqui voltando a parafrasear o Manel numa conclusão a que eu mesmo também cheguei, é que ainda assim a base social, a maioria da classe trabalhadora, a mesma maioria e mesmo povo trabalhador que em 2015 deu uma maioria parlamentar à Esquerda, impedindo mais quatro anos de austeridade “pafista”, ainda está desse mesmo lado, do “nosso” lado. Que por agora tal maioria de votos se tenha concentrado no PS, pode parecer exactamente isso, paradoxal, mas se “lermos” e reflectirmos nos resultados, mas mais que isso, no que nos dizem os nossos e nossas companheiras de trabalho, vizinhos, amigos e familiares até, foi exactamente a vontade de impedir o regresso do “pafismo”, agora com a possibilidade de ser reforçado pela extrema direita e pela direita (ainda mais) neo-liberal, o que nada tem nem  de “incoerente” ou “incorrecto”, pelo contrário. Até porque as sondagens apontavam com cada vez maior regularidade para a possibilidade real da maioria de direita, pelo que a maioria do povo de Esquerda votou na força politico-partidária que lhe pareceu, justamente ou não, não interessa, mais bem “equipada” e posicionada para impedir esse mesmo “regresso” da direita.

Mas, continuando nos “paradoxos”, poderão alguns agora dizer, “mas a maioria absoluta do PS não impediu o acentuar do crescimento da direita de conjunto, muito menos da extrema direita”. E além disso acrescento eu, uma maioria absoluta do PS, sabemos por experiências anteriores, o que significa para a classe trabalhadora. Ora é aí mesmo que está diria, o busílis da questão e ao mesmo tempo a saída, o caminho para a Esquerda. O PS vai “sozinho” governar o país novamente, beneficiando não só da força politica granjeada pela maioria absoluta, tendo acesso a fundos europeus da envergadura do PRR, mas ao mesmo tempo com um programa escrutinado e com as “balizas” não apenas da UE, mas também da sua própria natureza e composição de classe. O que conjuntamente com a “oposição feroz” da extrema direita e neo-liberais, mais a reconfiguração muito a breve trecho que se prevê na cúpula do PSD, (a que ainda há que juntar a acção do PR Marcelo, que acentuará ainda mais um trabalho de duplo sentido, tentando ajudar a reforçar o bloco “central” para “impedir o reforço dos populismos”, ao mesmo tempo que tentará ajudar o PSD a aglutinar o voto “útil” da direita daqui a quatro anos, ao mesmo tempo que continuará a apostar no “cansaço” da governação PS/Costa), colocará desafios enormes ao povo de Esquerda, a toda a classe e forçosamente, à Esquerda do PS – BE e PCP.

Colocará desafios que só podem ser ultrapassados com algo tão simples e ao mesmo tempo, difícil. Juntar forças. Na rua, nos locais de trabalho e ao mesmo tempo, no parlamento. Não tenhamos dúvidas, a extrema direita vai-nos colocar cada vez mais perigos que serão cada vez mais intensos e reais, se não for devidamente enfrentada. Desafios, perigos políticos, ideológicos, físicos até. E o perigo da extrema direita, o perigo real do neo-fascismo ascender ainda mais, não será nem poderá ser canalizado apenas e só para actos eleitorais, tão pouco para o “voto útil” no PS. Como vimos e como temos visto ultimamente, os resultados eleitorais são bem mais imprevisíveis e voláteis do que esperamos, e que as sondagens deixam antever em dado momento. Mas não tenhamos dúvidas também, eu pelo menos não duvido, que onde há opressão, onde há injustiça e exploração, há resistência e há luta.

Pelo que o caminho, a saída que se coloca à Esquerda é que seja, na realidade do dia a dia, nos locais de trabalho, nos bairros, nas cidades, em toda a sociedade, que seja a Esquerda a(s) força(s) que luta(m) contra a “serpente” do fascismo/racismo e do retrocesso. As organizações sindicais de classe, os movimentos sociais em toda a sua diversidade serão importantíssimos, serão decisivos para a(s) Luta(s) que se avizinha(m), juntamente com as direcções e as bases que compõem os partidos de Esquerda, BE e PCP, uns e outros são indissociáveis. Para tal será necessário pôr em prática a democracia de base, ouvir o povo de Esquerda, responder com convicção, mas claramente aos seus anseios. Todo o povo de Esquerda, em toda a sua diversidade, rostos e sensibilidades será insubstituível. É preciso passar ao contra-ataque e mostrar não só que é possível vencer o neo-fascismo em eleições, na rua, ideologicamente, mas também mostrar que é na Esquerda que está o caminho não só para se manterem direitos, mas também para se conquistarem novos, e que tal não é uma “utopia”. E mostrarmos que esse caminho junto e conjunto, não deixou de ser possível depois de dia 30, pelo contrário. Dia 30 só o tornou na verdade mais claro, para bom entendedor.

O caminho, a saída é pois, juntar forças. Juntemos forças pois então!

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