“cada geração, dentro de uma relativa opacidade, tem que descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la”, já dizia Fanon no seu aclamado livro “Os condenados da terra”.
A tarefa que se põe a esta geração de esquerda portuguesa é explícita, embora não seja de fácil cumprimento. O nosso combate ao capitalismo terá, mais do que nunca, que ser consequente com a nossa análise da totalidade deste sistema porque é nessa totalidade que cabe o interesse e comprometimento de sectores da classe dominante europeia e mundial com o crescimento e financiamento das organizações neofascistas como a que temos hoje com 12 deputados na Assembleia da República Portuguesa.
Não há combate consequente contra o capitalismo sem combate a todas as formas de opressão. Mas, em Portugal, o debate sobre o passado colonial e racismo se mostra o mais urgente , sob pena de não sermos capazes de cumprir essa nossa tarefa histórica de fazer frente ao crescimento e banalização de uma extrema-direita neofascista que se monstra capaz de instrumentalizar uma série de conceções ligadas ao passado colonial português que não foram ultrapassadas com a revolução dos cravos de 74 e que tornam a sociedade portuguesa especialmente permeável a políticas de ódio e tão facilmente influenciável pelos processos de radicalização da direita racista que ocorrem no mundo todo.
Embora, de forma geral, a geringonça tenha sido vista por uma parte substancial da esquerda como benéfica, arrisco dizer que a situação de derrota que os grandes partidos de esquerda se encontravam já antes do início destas eleições legislativas antecipadas se deveu à sua participação nela. Para além do apelo massificado ao voto útil no PS contra um novo governo de direita, também é importante concluir que o acordo com um partido como o PS, que tem como centro da sua ação governativa a defesa dos interesses dos sectores dominantes da sociedade, embora tenha resultado em avanços concretos e cedências em favor de quem trabalha, teve também como consequência, aliada à pandemia, a desmoralização e parcial desmantelamento da organização reivindicativa da classe trabalhadora expressa em movimentos sociais e sindicatos. Ou seja, na minha perspetiva, o PS e o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa puseram o a CDU e o BE em xeque-mate no sentido que : uma aprovação do OE2022 provaria na prática, dado o seu carácter liberal e insuficiente no que toca a respostas para quem trabalha neste contexto de pandemia, uma traição destes partidos à sua base de apoio mais assídua ;na mesma medida em que um chumbo provaria um não compromisso com a mitológica estabilidade. Essa espécie de tática xeque-mate eleitoralista do PS, com participação de Marcelo Rebelo de Sousa, poderá ter sido feita a qualquer custo, sendo o custo que hoje testemunhamos demasiado alto : o reforço da representação neofascista e o enfraquecimento da esquerda reivindicativa.
Ainda assim, nem só de Parlamente se constrói uma esquerda combativa que traz consigo um projeto socialista para uma sociedade igualitária. Estou convencida que o Bloco de Esquerda concentra o que há de mais progressista no combate ao capitalismo e todas as formas de opressão. Este mesmo BE tem se mostrado capaz de se posicionar e elaborar sobre a necessidade da batalha contra o capitalismo tomar o rumo de disputar socialmente os discursos sobre construção de identidade nacional que é contraposto à existência das comunidades ciganas, migrantes e afrodescendentes presentes em território português e que é a principal arma ideológica da direita neofascista.
Nos próximos anos, a nossa capacidade de voltar a encher e fortalecer as ruas determinará a nossa força para combater os retrocessos que nos serão impostos.