Artigo publicado originalmente em https://xekinima.org/ a 11 de Novembro quando Eric Zemmour ainda não era oficialmente candidato presidencial. Tradução de Tiago Castelhano.
Apenas cinco meses antes das eleições presidenciais francesas [a primeira volta será a 10 de Abril e a segunda a 24 de Abril], o jornalista televisivo e escritor Eric Zemmour – embora não tenha partido político, nunca tendo sido eleito para nenhum cargo público nem sequer mesmo anunciado oficialmente a sua candidatura – tornou-se o centro do debate. Na verdade, é visto por muitos como o “foguete” que desafiará Emmanuel Macron, que ainda está à frente nas sondagens, na crucial segunda volta das eleições.
Histórico das Sondagens
O seu histórico de sondagens é realmente impressionante. Os rumores sobre a sua candidatura saíram pela primeira vez numa sondagem do IFOP (Institut Français d’opinion publique) em Junho de 2021, imediatamente após as eleições regionais e ganhou a preferência de 5,5% dos eleitores. Na sondagem de Agosto da Ipsos, 21,7% dos eleitores escolheram-no, apesar de ainda ser um hipotético candidato e não um candidato anunciado. Em Setembro, em sucessivas sondagens semanais da Harris Interactive, estava a subir continuamente, de 10% na sondagem de 14 de Setembro, para 11% a 21 de Setembro e para 13% a 29 de Setembro. No 1º de Outubro, numa nova sondagem da Ipsos, alcançou 15% e ficou apenas a 1% do Rassemblement National (anteriormente Frente Nacional) de Marine Le Pen. Até então, Le Pen era a única candidata à segunda volta na disputa da presidência com E. Macron.
A 6 de Outubro, houve uma reviravolta nas sondagens que permanece até hoje. Na sondagem Harris Interactive para a revista financeira Challenges, E. Macron estava à frente com 24% e E. Zemmour com 17%, empurrando Marine Le Pen para o terceiro lugar, com 15%. O mesmo quadro reflectiu-se em mais duas sondagens, a 13 de Outubro e a 7 de Novembro, publicadas no Le Figaro, com E. Zemmour a receber firmemente 17% dos votos.
Mudança de cenário
Na primavera de 2021, dificilmente se pensaria que as coisas tomariam este rumo, e julgaríamos que M. Le Pen do Rassemblement National seria quem desafiaria Macron pela direita. Este é o partido que domina ideológica e eleitoralmente a extrema-direita francesa há mais de quarenta anos e que por duas vezes conseguiu chegar à segunda volta das eleições presidenciais – em 2002, liderado pelo pai Jean-Marie Le Pen e em 2017, liderado pela filha. Marine Le Pen aspirava estar na disputa com E. Macron, obtendo uma segunda oportunidade, na segunda volta das eleições presidenciais de abril de 2022.
Parte dessa estratégia foi a nova táctica que ela tem adoptado nos últimos anos para desconectar o partido do passado fascista do seu pai. Isso é para convencer a classe dominante francesa e os capitalistas europeus de que o Rassemblement National é uma opção de governo confiável e sólida.
Mas as eleições regionais de Junho marcaram um momento muito difícil para M. Le Pen. O Rassemblement National não ganhou nenhum dos 13 círculos eleitorais e M. Le Pen viu-se encurralada. Na véspera das eleições regionais, E. Zemmour interpretou o fracasso desastroso da seguinte forma:
“Na verdade, não há mais diferença… Marine Le Pen fala como Emmanuel Macron, Emmanuel Macron fala como Marine Le Pen, eles já agem como se estivessem na segunda volta, pois para eles nada importa excepto esta segunda volta, e é claro que os eleitores recusam-se a ceder a esta chantagem. ”
Após a sua reeleição como presidente no congresso do partido no início de Julho, houve um aceleramento das saídas de delegados, quadros e membros eleitos.
As duras críticas às suas escolhas também encontraram lugar no espaço público. As declarações feitas no “Le Monde” pelo ex-chefe da organização provincial de Deux-Sèvres RN são reveladoras: “A lacuna está a ficar maior ao longo do tempo. Fomos proibidos de participar na ‘Manif pour tous’ [uma manifestação organizada contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o direito ao aborto, etc.]. … Marine Le Pen declarou que a ‘Grande Substituição’ é uma teoria da conspiração e que o Islão é compatível com a Constituição francesa, e que ela não se retirará do Tratado de Schengen ou da Convenção Europeia para os Direitos Humanos … Ela é uma esquerdista que cresceu numa torre e herdou o nome Le Pen. ” O caminho estava assim pavimentado para E. Zemmour invadir a cena política.
Desmascarando Zemmour …
Desde o lançamento de seu último livro, em Setembro de 2021, “A França ainda não disse sua última palavra”, que parece um manifesto eleitoral, E. Zemmour tem percorrido o país ao encontro de potenciais apoiantes, mas também de manifestantes que o denunciam como fascista e racista. Embora rejeite estas alegações, as suas declarações e escritos contam outra história.
Ele descreve rotineiramente a França como um país sob a ameaça de “invasão” de imigrantes muçulmanos que visam, ostensivamente, transformá-la num estado islâmico.
Esta é uma reprodução da teoria da “Grande Substituição” do teórico de extrema direita Renaud Camus.
Em nome de evitar esta “ameaça”, Zemmour afirmou que se fosse presidente, fecharia a fronteira francesa e deportaria dois milhões de imigrantes durante os cinco anos do mandato. Também tornaria ilegal o uso público da burca das mulheres muçulmanas e a baptismo de crianças com nomes muçulmanos.
Delineando sua visão para o país de hoje, promete um renascimento da velha Grande França de Joana d’Arc, Napoleão e Charles de Gaulle.
A mesma linha ultra-nacionalista e imperialista perpassa as suas ideias sobre a política externa do país: denuncia o tratamento desigual de França pelo imperialismo americano (especialmente após a conclusão do acordo AUKUS); defende um reequilíbrio das relações do país com a Rússia de Putin; sugere que o país abandone a NATO e coloque limites aos poderes extremos da direcção europeia para restaurar a soberania francesa; expressa também a sua simpatia pelo primeiro-ministro nacionalista húngaro, V. Orban, e pelo ex-presidente americano demagogo, sexista e racista, D. Trump. As opiniões extremas de E. Zemmour estendem-se por todo o espectro social.
Conscientemente anti-feminista e homofóbico, ele defende o restabelecimento da pena de morte e a abolição dos limites de velocidade nas estradas nacionais.
Embora seja um judeu religioso, ele é denunciado pela comunidade judaica por anti-semitismo. Isso deve-se às suas declarações provocatórias. Só para citar algumas, questionou a inocência do capitão Alfred Dreyfus, o oficial do exército judeu acusado de espionagem pró-alemã e que acabou absolvido em 1906. Afirmou ainda que o governo do colaborador nazi Philippe Petain supostamente protegeu os judeus franceses durante a ocupação nazista.
Batalha pela hegemonia na extrema direita
Até agora E. Zemmour está a emergir como o favorito no confronto com a extrema direita na corrida presidencial, pelo menos nas sondagens. Até já ganhou o apoio do pai de Marine Le Pen, Jean-Marie Le Pen, 93 anos, que disse ao Le Monde:
“Marine abandonou as suas posições mais fortes e Eric assumiu o seu campo… Se Eric é o candidato mais bem colocado no campo nacionalista, é claro que o apoiarei… a minha única diferença com Eric é que ele é judeu. Portanto, é difícil chamá-lo de nazi ou fascista. E isso dá-lhe mais liberdade.”
Mas isto não significa que a batalha já tenha terminado.
Pescar o voto de protesto
O combustível para o “foguete” de E. Zemmour não é obtido apenas no tanque da extrema direita.
Ele está igualmente a tentar pescar nas águas turvas da votação de protesto das eleições gerais, dado o atrito de E. Macron e os factores agravantes da pandemia, a crise económica e a grande raiva pela subida dos preços do gás, petróleo, electricidade e produtos alimentares básicos.
De acordo com Jean-Yves Camus, chefe do Radical Politics Observatory:
“O verdadeiro problema do cidadão médio francês é que chega ao fim do mês e o dinheiro é cada vez menos … Zemmour baseia toda a sua campanha num único assunto: imigração e identidade nacional … Então encontrou algo para ‘falar ‘para todos os franceses. De acordo com uma sondagem recente, 61% acredita na ‘Grande Substituição’ de Zemmour.”
E a esquerda?
A situação seria bem diferente se o vácuo à esquerda do espectro político não fosse o pior e mais profundo dos últimos anos.
Nas mesmas sondagens que E. Zemmour está a varrer, os partidos que falam em nome da esquerda, tanto anticapitalistas quanto reformistas, estão literalmente ofegantes.
Nathalie Arthaud da trotskista “Lutte Ouvrière”, alcança 0,5-1%, Philippe Poutou do trotskista “Nouveau Parti Anticapitaliste” também está preso nos 0,5-1%, Fabien Roussel do “Parti Communiste Français” não atinge mais de 1,5-2% e Jean-Luc Melanchon de “La France Insoumise” está nos 9-10%, apenas metade de seu resultado nas eleições presidenciais de 2017 quando obteve 19,58%!
Mesmo assim, uma cooperação eleitoral na forma da frente única feita pelos partidos acima poderia balançar o barco. Isto não significa que estas forças anticapitalistas devam “diluir” o seu próprio programa radical independente. No entanto, infelizmente, essa perspectiva não é colocada no horizonte. O momento já está maduro; afinal, o próprio E. Zemmour só apareceu na cena política há cinco meses. Ao contrário, se as forças de esquerda se concentrarem cada uma na sua campanha eleitoral, voltarão a ficar muito aquém das necessidades dos trabalhadores, da juventude e das camadas populares. A esquerda francesa, como tantas outras forças de esquerda em diversos países, em algum momento precisam descobrir o caminho simples, mas tão importante, da cooperação, tanto no movimento como no plano eleitoral.