João Cotrim de Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal, foi, há dias, entrevistado pelo Público. Bem-falante e habituado a fazer política como quem faz marketing, o ex-diretor da TVI e do Turismo de Portugal escapa entre os pingos da chuva. Como bom comercial, Cotrim de Figueiredo sabe vender as suas ideias; mas sabe também que, muitas vezes, mais vale mostrar a embalagem brilhante do que o produto tóxico que ela contém. É essa a estratégia da IL: chegar ao poder ao lado da velha direita e do neofascismo. O objetivo é esconder o seu projeto radical de direita para chegar a franjas do eleitorado, vendendo o liberalismo como se fosse liberdade, para, no fim, se aliar à direita conservadora e autoritária.
A Iniciativa de castigar os pobres
Infelizmente, as perguntas colocadas pelo Público confluíram com esta estratégia. As questões difíceis ficaram por fazer. É incompreensível, por exemplo, que, dada recente fuga de João Rendeiro e os desenvolvimentos no escândalo do BPP, o líder da IL não seja confrontado com as suas responsabilidades ― ele que era Presidente Executivo da Privado Holding, dona do BPP.
Mesmo o programa da IL ficou por explicar e, nas poucas partes da entrevista em que Cotrim de Figueiredo fala sobre ele, consegue defender generalidades como a «liberdade de escolha» na saúde sem que seja confrontado com o papel da saúde privada na pandemia; ou sem que o namoro da IL com as posições negacionistas da Covid (lembram-se do «Arraial Liberal»?) seja evocado.
Inclusive, quando Cotrim desembainha da sua bandeira de sempre ― a da suposta redução da carga fiscal ― a pergunta que lhe é feita é sobre a eventual «redução da receita» que a medida implicaria. Assim, o líder da IL, nem é confrontado com o facto de que a sua proposta de que taxa única para o IRS penalizaria os mais pobres, beneficiando quem tem rendimentos mais altos.
Alianças com Rio e Ventura
Preservado do questionamento sobre as suas propostas radicais, resta a Cotrim espraiar-se sobre a política de alianças da IL. Neste quesito, o liberal parece também encantado pela recente vitória de Rui Rio nas eleições internas do PSD. Esse, que antes era tão criticado, agora é visto como um possível futuro primeiro-ministro a quem os liberais querem dar a mão. E isso explica porque é que Cotrim não só cala as críticas a Rio, como elogia o papel de Marcelo Rebelo de Sousa ao dissolver o parlamento: conta daqui a meses apoiar o governo do primeiro, apadrinhado pelo segundo.
Mas não é só de Rio que a IL se aproxima. Ainda que (aqui sim!) as entrevistadoras tenham tido que insistir, Cotrim de Figueiredo lá teve de dizer o que pensa sobre alianças com o Chega ― e não tem nada contra, pois claro. O deputado não apenas não nega a possibilidade de «estar num governo com o Chega», como reivindica a experiência do Governo Regional dos Açores, onde IL, Chega e CDS se juntaram, com a bênção de Marcelo, para dar o poder ao PSD. Vai mais longe e diz que as bandeiras do Chega nos Açores «podiam estar lá como exigência nossa [da IL]» ― refere-se a nada mais nada menos do que ao corte de apoios sociais numa das regiões mais pobres da Europa! A crítica que Cotrim faz ao Chega é a de que esse partido, que quer a privatização da saúde e da educação, não é suficientemente liberal na economia!
Ficam assim evidentes as perspetivas da IL para estas eleições: torcer pela vitória do PSD para se poder, juntamente com o Chega, aliar a um futuro governo de Rui Rio, reproduzindo a solução açoriana que se tem distinguido pelo nepotismo e pelo ataque aos pobres. Por isso, as veleidades «liberais nos costumes» já estão a cair por terra para não desagradar aos futuros parceiros conservadores: a eutanásia, por exemplo, «não vai constar do programa eleitoral [da IL] como prioridade política». A base de um acordo com o PSD e o Chega é apenas o «desagravamento fiscal» que, como já vimos, alivia os ricos e castiga os mais pobres.
Essa é o projeto da IL e das direitas todas: unirem-se para chegar ao poder, Chega incluído. Não por acaso, Cotrim de Figueiredo, durante a entrevista, por três vezes refere a possibilidade de uma «coligação» ou «governação não socialista» que ele apoiará e para cujo apoio apela mesmo à «responsabilidade» do Chega.
O resumo da ópera é que a IL quer estar ao lado do Chega a apoiar o PSD; já o PSD de Rio não exclui sustentar um governo do PS; por sua vez, aliar-se ao PSD é, assumidamente, uma possibilidade para Costa. Estamos a chegar ao Natal, mas em vez do tradicional bacalhau, parece haver gente apostada a servir-nos a direita «com todos». Pelo que, para não apanhar com Rio e até com Ventura no sapatinho, convém não acreditar no Pai Natal: votar à esquerda é a solução.