Há poucos dias, mais concretamente no passado dia 5 de Novembro, foram aprovadas na Assembleia da República (AR) as alterações ao regime laboral no que concerne ao teletrabalho.
O teletrabalho é uma realidade hoje “massificada” nas profissões com funções compatíveis, como call centers e sector dos serviços como banca, seguros entre outros, mas que até há sensivelmente ano e meio, concretamente até Março de 2020 era residual no nosso país, pelo que as alterações agora aprovadas eram esperadas com alguma expectativa por uma parte significativa da classe trabalhadora. Inclusivamente da mais precária, como é o caso dos call centers.
– Alargamento do teletrabalho a pais com filhos até aos 8 anos nas funções compatíveis (até agora abrangia crianças até aos 3 anos de idade apenas), obrigatoriedade das empresas pagarem as despesas relacionadas com o teletrabalho relativamente ao acréscimo de consumos de energia e internet, dever das empresas absterem-se de contactar o trabalhador fora do seu horário de trabalho, ou a obrigatoriedade destas promoverem contactos presenciais com intervalos nunca superiores a 2 meses, foram as principais medidas aprovadas na AR.
Contudo e apesar de algumas das medidas acima indicadas terem sido até ao momento acolhidas com o “benefício da dúvida” por parte da generalidade dos trabalhadores visados, e estar até a ser bastante falado o “bom” exemplo dado pelo legislador em Portugal (Trevor Noah no “Daily Show” é um dos exemplos mais visíveis), nomeadamente no que concerne ao “direito a desligar” ou de “desconexão”, que tem sido de todas estas, a medida mais “badalada” como um avanço, a verdade é que os trabalhadores e suas organizações não conseguem esconder as suas reservas. Reservas essas, que quando analisadas “à lupa” as referidas alterações, são de todo em todo justificadas, face à pouca clareza de como irão ser implementadas na prática.
Mesmo essa tão importante alteração referente à deconexão/proibição de contactos fora do horário de trabalho pelas empresas, está desde logo “ferida” de pouca clareza (para dizer o mínimo), isto se atentarmos ao facto de esse dever ficar suspenso caso a empresa alegue a qualquer momento, “situações de força maior”.
Ou ainda o facto das empresas poderem vir a apresentar o pagamento do acréscimo de internet ou energia, e mesmo assim apenas em casos em que tal acréscimo seja “comprovado”, como um custo para efeitos fiscais das mesmas, que na prática “transfere” para todos os trabalhadores o ónus do pagamento das despesas de “alguns”. Sabemos bem as consequências e objectivo de divisão entre a classe trabalhadora de medidas como esta, aprovadas pelo actual governo PS por iniciativa do PSD. (Sintomático e claro de como o governo PS há muito que governa com o bloco central e patronato na prática, quando não mesmo à direita, principalmente quando falamos de legislação laboral).
Importa ainda ressalvar e alertar para o facto de que a presente actualização à legislação do teletrabalho, em lado algum defende a saúde e segurança no trabalho do “teletrabalhador”, não existindo qualquer medida que melhore ou no mínimo, dê mais clareza a problemas ergonómicos e/ou de acidentes durante o horário de trabalho, nem qualquer medida que clarifique e defenda o direito de organização dos “teletrabalhadores”. Apenas alguns exemplos do que foi “esquecido”.
Nesse sentido, a importância das organizações de trabalhadores, nomeadamente sindicatos, especialmente nos sectores de actividade abrangidos pela compatibilidade de funções com o teletrabalho, mas não só, trabalharem em conjunto de forma unitária, torna-se cada vez mais uma clara necessidade. Pois a verdade é que a massificação do teletrabalho traz a toda a classe, e logicamente, às suas organizações representativas desafios para a organização e consciencialização de toda a classe trabalhadora.
Assim todos nós tenhamos presente essa essa tarefa maior diria eu – trabalhar para desenvolver e aprofundar a consciência de classe!
Abaixo reproduzido o comunicado do Sindicato de Trabalhadores de Call Center:
SOBRE AS ALTERAÇÕES À LEGISLAÇÃO DO TELETRABALHO
No passado dia 5 de novembro foram aprovadas na Assembleia da Républica as alterações ao regime de teletrabalho.As alterações aprovadas consistem em quatro pontos principais, a saber;
1 – Alargamento do teletrabalho a pais com filhos até 8 anos
2 – Pagamento de custos adicionais com energia e internet
3 – Dever do empregador se abster de contactar o trabalhador no período de descanso (salvo situações de força maior)
4 – Dever do empregador promover contactos presenciais entre trabalhadores e chefias de 2 em 2 meses (máximo)
Sendo o nosso sector de actividade um dos mais, senão o sector em específico cujas funções efectuadas por todos nós, são sem qualquer excepção, sempre compatíveis com a prestação de trabalho em teletrabalho, consideramos-nos não só interessados, consideramos ser particularmente visados em qualquer alteração a este regime.
Nesse sentido e após convite da própria comissão de trabalho, criada na AR para discutir as alterações à legislação do teletrabalho, o STCC enviou no início de julho deste ano as suas propostas de alteração a este regime que na nossa perspectiva seriam as que melhor nos defendiam enquanto classe.
Infelizmente, verificamos que apesar da “maratona” de debates e de inúmeros contributos de várias organizações de trabalhadores, que mais uma vez fomos “esquecidos”. O que no caso significa, que apesar de algumas associações patronais bradarem em alto e bom som na comunicação social que lhes dá palco que as alterações à lei do teletrabalho agora aprovadas, “o foram demasiado rápido e sem serem ouvidas”, que nada poderia estar mais longe da verdade. Pelo menos quando falamos do nosso sector específico, ou melhor do “lobby” composto pelas maiores empresas de call center em Portugal.
Senão vejamos ao pormenor (ou tentemos, visto que “ir ao pormenor” foi coisa que o legislador comprovadamente não fez) as alterações acima mencionadas.
Começemos pelo pagamento de custos adicionais com o teletrabalho. O que é que na prática estas alterações vêm clarificar relativamente ao “antes”? Bom, apenas ficámos a saber que para o legislador, os custos de trabalhar em casa são apenas referentes luz e internet. Alimentação? Sem resposta. Água? Pelos vistos em casa não precisamos de tal coisa. Climatização? Igual. Cadeiras e mesas para trabalhar? Não é preciso, ou trabalhamos com o que já temos ou então, se quisermos, temos de fazer o “sacrifício” e comprar…
E como se vai processar o pagamento das tais despesas com internet e energia? Temos de comprovar obrigatoriamente que estamos a ter acréscimo. Para tal “basta” mandar à empresa uma factura de um mês em teletrabalho e outra anterior ao teletrabalho. Parece fácil e correcto, certo? E agora perguntamos nós, que estamos em teletrabalho há vários meses seguidos, alguns há mais de 1 ano, alguns há quase 2 anos, como vamos fazer? As empresas vão ser obrigadas a pagar o acréscimo desde desse período com efeitos retroactivos? Mas será que alguém acredita realmente que na prática, isto irá acontecer assim, desta forma? Pior que isso, é ver por proposta do maior partido da oposição, o PSD, aprovarem que esse pagamento de acréscimo de despesas, a existir, vai passar a ser considerado um custo para as empresas que contará para efeitos fiscais! O que significa que ainda somos nós trabalhadores e contribuintes que vamos no fim de contas, pagar o nosso próprio acréscimo de despesas a empresas com volumes e lucros de milhões…
Alguns mesmo de entre nós perguntarão, “mas não é melhor assim?”, “qual seria a alternativa?” ainda perguntarão outros, e bem.
A solução justa e correcta, a solução que realmente defenderia quem vive com o salário com que nós vivemos, perante as nossas empregadoras, que já antes tinham milhões de lucro e agora encontraram a “galinha dos ovos de ouro”, tendo deixado de ter as despesas que o trabalho presencial acarreta e que foi pura e simplesmente, transferido para nós trabalhadores, tal como o STCC sempre defendeu, tendo sido inclusivamente acompanhado pelos partidos à esquerda do PS com assento na AR, BE e PCP, é a criação de um subsidio fixo de teletrabalho.
Com o subsídio de teletrabalho facilmente se eliminariam logo à partida, toda e qualquer diferenciação remuneratória entre trabalhadores que fazem as mesmas funções e mais importante, não colocaria em nós trabalhadores o “ónus da prova” do acréscimo pois passaria a ser uma obrigação das entidades patronais.
Podemos ainda falar sobre o “direito a desligar”, a alteração que refere que “deve o empregador abster-se de contactar o trabalhador no período de descanso, na verdade, algo que já está consagrado no próprio código do trabalho através de algo tão simples, e que se chama horário de trabalho. Não, o que aqui propusemos e mantemos que seria o correcto é não o direito, como temos, mas as empresas passarem a ter o “dever de desconexão”, dever esse que ficaria também como uma obrigação do lado das patronais e que, em caso de incumprimento deveria ser alvo não “apenas” de contraordenação grave, mas sim muito grave. É uma melhoria face ao que antes estava na legislação especifica do teletrabalho? É insuficiente e pior, tal como no pagamento do acréscimo das despesas, muito pouco clara. Basta atentar que esse dever de “abstenção” de contacto por parte do empregador, fica suspenso “em situações de força maior”, servindo para na verdade abrir a porta a que a empresa possa atropelar o tempo de descanso do trabalhador. O que são essas situações de força maior especificamente, perguntamos todos nós? Ninguém sabe a resposta, pois ela não está explicada, o que refere é apenas e só isso mesmo. Isso significa que na prática, muitos de nós isolados uns dos outros em casa vão fazer exactamente o quê quando o “RE” ou “tem leader” nos pedir horas extra “por favor”. O que vão eles dizer quando ouvirem um “não posso hoje”, “já trabalhei 8 horas das 10 da manhã às 8 da noite”, “tenho o meu filho pequeno para dar almoço ou jantar, ajudar, dar atenção”, etc? Nós que precisamos do nosso trabalho para pagarmos contas, casa, alimentação, vamos fazer o quê, quando chefe nos responder “vais trabalhar sim, porque senão quando o teu contrato chegar à altura de renovar”…. Todos sabemos que para a empresa tudo é “de força maior” em relação à nossa vida e nosso descanso.
É certo que nem tudo é mau ou pouco claro. Houve uma clara e significativa melhoria relativamente à legislação anterior quanto ao facto de o teletrabalho poder ser requerido por trabalhadores, pais/mães com filhos menores de 8 anos, quando antes era apenas até aos 3 anos, sem ser necessário acordo do empregador. Ainda assim aquém, quando no horário flexível o pedido pode e muito bem ser requerido por trabalhadores com filhos até aos 12 anos. A posição do STCC é de que sendo as funções do trabalhador compatíveis com teletrabalho, este deveria poder ser requerido unilateralmente pelo trabalhador sem necessidade de acordo da empresa.
E ainda existe a alteração que obriga a contactos presenciais com máximo de 2 meses de intervalo entre cada um, por forma a combater o isolamento. No entanto, mesmo essa aparente melhoria, está pouco clara na forma como se vai processar, especificamente em casos que existem, de trabalhadores que vivem em vários pontos do país e a empresa poderá ter as instalações numa só determinada zona, como por exemplo um trabalhador de call center que viva em Faro e cuja empresa é uma Teleperformance ou Sitel, cujo edifico mais perto é em Lisboa. Como se irão processar os contactos presencias nesses casos?
E a segurança, saúde e ergonomia dos trabalhadores e suas condições de trabalho em teletrabalho? E o direito de organização e reunião dos trabalhadores e suas organizações representativas durante o horário de trabalho neste regime? Mais questões importantes que ficam por responder e clarificar…O que fica relativamente a todas estas alterações é muita “publicidade” para demasiadas dúvidas e demasiadas insuficiências neste momento.
Mas a Luta ainda agora começou e essa é a verdade. Só todos nós em conjunto, unidos e em uníssono poderemos fazer ouvir a(s) nossa(s) vozes(s) e mais importante, levar avante as exigências que são nada mais que o necessário para podermos trabalhar em condições e sermos devidamente valorizados.
Da parte do STCC, aqueles que mandam, governo ou empresas, podem contar com a nossa luta e resistência. Ainda em março de 2020, quando a pandemia rebentou, muitos diziam que seria impossível implementar o teletrabalho nos call centers com a urgência que necessitávamos e exigíamos. Também nos diziam que quem tinha filhos com aulas online e estava em teletrabalho, teria de continuar assim ou não teria direito ao apoio pago. Também nos diziam que não era este ano ainda que a legislação do teletrabalho seria alterada.
Tantos “impossíveis”, que se tornam realidade com a Luta de todos nós.
Unidos Vamos Vencer!
A Direcção do STCC
Lisboa, 12 novembro 2021