Terça-feira, dia 9 de Novembro, moradores do Bairro da Jamaica (Bairro dos Chicharos, Amora) foram surpreendidos pelas 7h30 da manhã por uma operação da PSP, que junto com oficiais da Câmara do Seixal, entraram no bairro e iniciaram a demolição de vários cafés e bares, sob pretexto de serem ilegais e da Câmara ter recebido inúmeras queixas acerca do ruído. Durante as demolições os meios de comunicação social foram impedidos de aceder ao bairro. Sabemos que este tipo de demolições não são novidade, vimos acontecer em muitos outros lugares na periferia de Lisboa, com o mesmo modus operandi – muita polícia, zero informação. Toda a situação é ainda mais chocante por ser dirigida a partir de uma Câmara da CDU, força de esquerda que se apresenta como estando ao lado das populações mais pobres e trabalhadoras.
A população da Jamaica não recebeu qualquer notificação sobre esta operação musculada, desmesurada, não existia mandato para entrar nos cafés, os donos não foram informados da intenção de encerrar estes espaços. Polícia com capacete, fatos à prova de bala e armas invadiram o bairro com retroescavadeiras, destruindo várias construções, danificando as canalizações de água que abastecem os moradores e deixando um cenário de devastação no seu caminho. Durante as demolições os donos dos cafés e bares nem tiveram oportunidade de retirar os seus pertences, sofrendo duplamente – pela destruição do seu ganha pão e pelo estrago de boa parte dos bens que se encontravam dentro dos estabelecimentos. Sabemos que existe em curso um processo de realojamento dos moradores que, em 2018, redirecionou 187 pessoas para 64 habitações em várias zonas do concelho do distrito de Setúbal. As restantes famílias aguardam em condições precárias, já em meio de um cenário de destruição, o seu realojamento, atrasado devido à especulação imobiliária, segundo a Câmara do Seixal (da CDU). Ao invés de proporcionar alternativas e segurança para estes moradores, fez-se precisamente o contrário – ameaçando a sua sobrevivência, direito ao lazer e a condições sanitárias básicas. O direito à habitação digna e aos espaços de convívio e lazer não é pode ser privilégio reservado para alguns, de acordo com a cor da pele ou das possibilidades sócio-económicas.
Relembramos que esta atuação das forças de segurança não é novidade – o Bairro da Jamaica foi alvo de uma intervenção durante a pandemia, que fechou a cadeado oito cafés e bares sob o pretexto de conter a propagação do coronavírus, enquanto se mantiveram abertas fábricas e mercados de abastecimento com surtos encobertos – não se tratou de segurança pública, mas sim de controlo e policiamento racista destes moradores. Foi também na Jamaica que assistimos a uma operação policial violenta que despoletou manifestações contra a violência policial racista que acontece regularmente nos bairros da periferia de Lisboa. Hoje dia 10 de Novembro, acontece o julgamento dos acontecimentos de violência policial em 2019 e hoje, novamente o Bairro da Jamaica acordou ao som das retroescavadeiras acompanhadas mais uma vez de enorme contingente policial para prosseguir as demolições, sem qualquer informação ter sido dada aos moradores.
Mais uma vez o racismo estrutural é evidente – o tratamento desumano destes moradores, a falta de informação dada quer pela Câmara quer pela própria PSP, reforça um estado de sítio permanente que paira sobre os bairros periféricos, pobres e de maioria negra. Estes bairros, considerados Zonas de Intervenção Prioritária – pela sua composição “problemática” – e as pessoas que nelas vivem tem, aos olhos do estado e das autarquias, menos direitos, menos proteção e podem ser tratados de qualquer forma, como vemos neste caso – as famílias que aguardam realojamento foram privadas de água nas suas casas, de espaços de convívio e também de sustento. O processo de demolição segue hoje e seguirá provavelmente até todos os estabelecimentos estarem em escombros no chão do bairro da Jamaica, um cenário de pedaços de tijolo, cimento, águas paradas e ratazanas.
Neste bairro vivem pessoas de carne e osso, bebés, crianças, trabalhadoras, mães, pais – têm direito a condições dignas, tem direito a informação, não podem ser tratados como cidadãos de segunda.
Exigimos resposta para estes moradores, exigimos condições sanitárias para o Bairro da Jamaica e exigimos uma atuação da Câmara Municipal do Seixal e do Governo no sentido de realojar rapidamente as famílias que continuam à espera.
As vidas valem mais do que a especulação imobiliária.