Texto escrito por Tiago Castelhano e Manuel Afonso
Após o avanço da direita nas eleições autárquicas, muito se tem falado na possibilidade de um novo ciclo político. Na verdade, era ao Governo que cabia iniciar um novo ciclo: apostar nos serviços públicos, no combate à precariedade, na transição climática e na habitação para todos. Enfim, governar para o povo e não para o défice. Infelizmente, o Orçamento apresentado pelo PS não vai nesse sentido. Perante, isso, BE e PCP fazem bem em se opor claramente. Cabe ao PS mudar de rumo, aumentar salários e direitos e assim afastar, de vez, o perigo do regresso da direita e da austeridade.
Um Orçamento que esquece os trabalhadores e o povo
Esta semana foi entregue no parlamento a proposta de Orçamento para 2022. O Governo e o PS apressaram a afirmar que o investimento público e o apoio a quem trabalha marcam este orçamento. Infelizmente não é assim. A margem que o Governo assume ter é, no essencial, canalizada para reduzir o défice e agradar a Bruxelas.
Ainda para mais, num contexto em que estamos há um e meio a viver uma pandemia que trouxe consequência nefastas para vários sectores da economia como por exemplo a cultura, saúde, emprego e salários da classe trabalhadora, apresentar um OE que é de contenção, em vez de expansionista, significa que o ideario da “austeridade” continua presente entre nós. Senão vejamos: as medidas propagandeadas pelo PS como ajuda a quem trabalha, estão relacionadas com (supostamente) tornar mais progessivo o IRS e ajudar as familias com filhos pequenos. Em relação ao IRS, quem vai beneficiar dos descontos serão os escalões (sobretudo o 8º) mais altos, não afetando os dois primeiros escalões que é onde estão a maioria dos trabalhadores e que menos recebem[1].
Mesmo no caso dos escalões mais altos, estamos a falar de valores irisórios, exceptuando o 8° escalão em que se pagará menos 202 euros, segundo a Deloitte – o que não é nenhuma ajuda exepcional. Em relação à ajuda aos filhos, é verdade que existe, embora o desconto no IRS seja só a partir do 2º filho quando cada vez mais os casais tem apenas um filho pelos baixos salários que auferem.
Mas onde realmente se poderia promover a natalidade e aliviar as famílias trabalhadoras é na área laboral, onde somos campões europeus na precariedade e nos baixos salários., Nesse terreno, o Governo não prôpos nada, nem na proposta de OE22 nem no âmbito das negociações com os partidos de esquerda.
O Governo apresenta assim um OE22 de contenção e aposta tudo no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a famosa bazuca, ignorado situações calamitosas como a vivida no SNS. É verdade que nos últimos dias o Governo PS, perante o anúncio que o BE e PCP iriam votar contra a actual proposta de OE22, tem vindo a dar sinais que poderá responder a algumas reivindicações da esquerda inclusive na área laboral. Contudo, as mudanças que apareceram na imprensa são ainda insuficientes para poder combater o aumento do custo de vida, custos da habitação, baixos salários, precariedade, aumento dos combustiveis etc. Pior: algumas medidas, como a que tem a ver com a caducidade da contratação coletiva, são mais fogo de vista que outra coisa. As medidas laborais que a Troika e a direita impuseram, facilitando despedimentos e baixos salários, mantém-ss intocáveis.
Governo PS deve mudar de política
O Governo PS devia fazer diferente e apostar num forte estimulo à economia através do aumento de sálarios na função pública – e não o mísero aumento de 0,9% que se prevê que seja engolido pela inflação – e no privado, no combate à precariedade atráves da revogação das leis laborais da troika como bem tem defendido o BE e PCP.
O governo PS devia apostar num forte investimento no SNS. O que está previsto na proposta de OE22 é um aumento de 703 milhões de euros face a 2021[2], o que é manifestamente pouco para reforçar uma área que foi muito sobrecarregada ao longo do último ano. Ainda na saúde e como bem exige o BE e PCP, o Governo deveria valorizar as carreiras profissionais (por exemplo técnicas auxiliares de saúde) e a exclusividade dos médicos. Aliás, não é por acaso que os técnicos de emergência, farmacêuticos, enfremeiros e médicos já marcaram greves e protestos para o mês de Outubro e Novembro[3], dado a situação de dificuldades que se vive no SNS. Seria necessário um orçamento de estado que respondesse também ao sector mais afectado por a pandemia que ainda vivemos que é o da cultura. O que está previsto para a Cultura é 0,25% do OE22, o que fora deste contexto já nos devia envergonhar, mas que agora é ainda mais chocante.
BE e PCP unidos contra um OE22 insuficiente
Dado a atual proposta do orçamento de estado, é totalmente acertado que a esquerda não o viabilize. Por isso saudamos a posição anunciada pelo BE e PCP.
Neste contexto, e apesar da pressão mediática e do presidente da república, cada vez mais alinhado com a direita, a posição corajosa e correta é votar contra este orçamento.
Provavelmente, o método mais eficaz seria BE e PCP apresentarem uma caderno de encargos comum, concertado também com os diversos setores em luta: médicos, enfermeiros, administração pública e ferroviários.
Pode o Governo cair?
Esse cenário não pode ser afastado, ainda que não seja, por ora, o mais provável. Governo, Presidente, a direita e a comunicação social empolam esse cenário para que a esquerda e o povo aceitem mais um orçamento restritivo. Não há motivos para ceder a essa pressão. Caso contrário, onde vamos parar? Por essa via, a esquerda e os trabalhadores teriam de se sujeitar a tudo o que o Governo quisesse. O resultado seria o desgaste do Governo e o reforço da direita.
Se houver uma crise política e a consequente queda do Governo e ida a eleições, a responsabilidade da crise é, na verdade, do Governo. É este que não tem maioria para governar e é quem não está disposto a negociar nem a fazer acordos mínimos.
Assim, a responsabilidade de abrir o caminho à direita está com o PS e caso não queira ficar com esse “peso nos ombros”, o melhor será descer da sua arrogância e apresentar uma nova proposta de OE22.
O exemplo recente das autárquicas em Lisboa deveriam fazer reflectir o PS. Governar à direita e ainda por cima com arrogância, ignorando os partidos à sua esquerda teve como consequência abrir as portas da Câmara Municpal de Lisboa para a direita. Não seria muito inteligente seguir o mesmo caminho no país.
A esquerda, por sua vez, faz bem em não ceder a chantagens. Pelo contrário: há que reafirmar a oposição à atual política do Governo e construir uma agenda comum de luta, no parlamento e na rua, pelos salários, serviços públicos, emprego e pelo clima. É esse o caminho para pressionar o PS e travar o crescimento da direita.
[1] https://expresso.pt/economia/2021-10-12-Contribuintes-nos-setimo-e-oitavo-escaloes-sao-os-que-mais-poupam-com-o-novo-IRS.-Veja-simulacoes-5fbb8e9a
[2] https://rr.sapo.pt/noticia/economia/2021/10/12/oe2022-saude-com-mais-703-milhoes-de-euros/256466/
[3] https://www.publico.pt/2021/10/14/sociedade/noticia/medicos-enfermeiros-tecnicos-emergencia-farmaceuticos-greves-ja-marcadas-saude-1981090