Hoje está a decorrer uma greve com grande adesão no setor ferroviário, convocada por vários sindicatos que representam o setor e as suas duas principais empresas públicas, a CP – Comboios de Portugal e a IP – Infraestruturas de Portugal. Depois de várias greves nos últimos meses convocadas de forma desfasada, em datas diferentes ora pelo SNTSF/CGTP, ora por cum conjunto de outros sindicatos ( Associação Sindical Chefias Intermédias Exploração Ferroviária (ASCEF), Associação Sindical Independente dos Ferroviários de Carreira Comercial (Assifeco), Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviários, das Infraestruturas e Afins (SINFA), Sindicato Independente Nacional dos Ferroviários (SINFB) e pelo Sindicato Independente dos Operacionais Ferroviários e Afins (SIOFA) ), a presente greve é convocada por todas estas organizações – o que é uma evolução bastante positiva. Algumas das greves passadas, convocadas apenas pelo SNTSF, tiveram impacto maioritariamente nas oficinas de manutenção da Ex-EMEF (agora CP) e, portanto, sendo apenas de um dia, com pouco impacto mediático e na circulação de comboios. Reivindicamos o aumento dos salários, a revisão dos Acordos de Empresa da CP e IP, bem como a urgente admissão de novos trabalhadores.
Lutamos pelo futuro da CP
Nos últimos anos temos visto uma grande mudança no panorama da ferrovia em Portugal, mas existe um mundo de diferença entre o cenário optimista e de expectativa de grandes mudanças que se nota nas sucessivas inaugurações e anúncios de novos investimentos em linhas e aquisição de novos comboios, e as reais condições de vida e de trabalho dos trabalhadores do sector. Estas, ao ficarem estagnadas há vários anos, enquanto o custo de vida e a inflação, claro, continuam a subir, na verdade foram-se degradando. Existem categorias profissionais que no ano 2000 teriam um salário base de 185% o valor do Salário Mínimo Nacional, e de 235% no topo de carreira, e hoje essa proporção está nos 118% e 135% respectivamente. O SMN aumentou 145 euros desde 2015, aumento esse que de forma alguma se verificou nos nossos salários. Hoje, um operário das oficinas da CP começa com um salário base de 796 euros brutos, podendo esperar, segundo a proposta de regulamento da administração da CP, em 30 anos, ascender ao astronómico valor de cerca de 1025 euros brutos, que é o valor auferido hoje pelos mais antigos trabalhadores da empresa, muitos deles com 30 e 40 anos de experiência.
A CP é, hoje, uma empresa muito envelhecida. Aumentar salários e harmonizar as condições de trabalho entre os diferentes setores que recentemente se fundiram é uma necessidade também para garantir o futuro da empresa. Se a perspetiva é de um aumento da atividade nos próximos anos e décadas, será com estes salários que a CP vai conseguir ter a mão de obra para fazer face a esse aumento de trabalho? Isto quando já hoje há poucas mãos, e poucas mãos experientes sobretudo, para tanto trabalho, e tanto problema, numa frota de comboios também ela muito envelhecida… Não é preciso especular, pois a resposta já se faz sentir: Não, assim a CP não consegue fixar sequer os novos trabalhadores por muito tempo, pois rapidamente arranjam trabalho mais bem pago após algum tempo nas empresas públicas, que continuam a ser uma excelente escola de formação pelas suas características únicas, excelentes profissionais, e mais de um século de experiência.
Não é tudo igual!
Do nosso lado, o de quem luta, também é urgente ter uma melhor estratégia de comunicação que tenha como objetivo não só envolver melhor nas estruturas sindicais os novos trabalhadores que entraram recentemente na empresa, mas também incidir junto da opinião pública. Não podemos ficar à mercê da cobertura dos média sobre as nossas lutas. Sabemos bem qual é a imagem de todo o serviço público que os grandes grupos de média querem apresentar. Não é difícil encontrar alguém na rua que ache que todos nós trabalhamos 35 horas, ou que acham que o nosso salário é 3 ou 4 vezes maior do que realmente é. Existe uma agenda da parte da burguesia, da direita e dos média de que são donos, que pretendem misturar na opinião pública os casos de corrupção de políticos, e administradores de empresas públicas, com a ineficácia dos serviços e os salários de todos os seus trabalhadores. Como se todos beneficiássemos do “bem bom” das altas funções da administração pública: desde o Secretário de Estado, ao mecânico de comboios, somos apresentados como todos iguais. Não ajudam a combater essa imagem a escolha de personagens como o agora demissionário presidente da CP, Nuno Freitas, que, por mais competente que tenha sido na sua função, nunca deixou de ser detentor de 7% da Nomad Tech, empresa que presta serviços em áreas de tecnologia electrotécnica e de monitorização de dados em tempo real à própria CP. Ou que dizer do caso de que a empresa escolhida para assumir a nova concessão dos serviços dos de bares dos comboios, cujos trabalhadores continuam a lutar por salários em atraso, a Apeadeiro 2020, seja propriedade de José Carlos Alegria, inspector Chefe de Tração da CP no Porto?
Unir o setor e para lá dele
Se a forma como a maioria dos trabalhadores portugueses sabe das nossas greves é quando chega à estação e não tem comboio, ou pela comunicação social, só podemos esperar que a maioria não esteja connosco. Temos que dedicar parte dos nossos esforços a fazer lhes chegar o porquê das nossas greves; por exemplo, começando a divulgar as greves com sessões de esclarecimento nas estações nos dias anteriores. Explicar que fazemos greve por nós, mas também pelo serviço público. É preciso dizer que durante muitos anos existiram supressões porque haviam comboios parados por falta de peças, mas também por falta de pessoal. Uma realidade que só não se faz mais notar devido ao nosso esforço em manter tudo a funcionar sem comprometer a segurança. É um caminho a fazer: agora que se efetiva a unidade dos trabalhadores ferroviários, podemos e devemos conquistar o apoio da maioria dos trabalhadores, pois são eles os maiores beneficiários do investimento público na ferrovia e nós ferroviários. Até o Ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, diz que temos razão. Mas não nos basta ter razão. Não vivemos de ter razão. Pouco importa saber o quanto desta empatia do Ministro com os ferroviários é sincera, e quanto será apenas uma forma de marcar posição dentro do governo e demarcar-se de António Costa e João Leão.
A nós interessam-nos resultados, e a melhor forma de os garantir é manter as lutas enquanto as promessas não deixarem de ser apenas isso.
Foto de 2013 em manifestação no Entroncamento