Hoje, 24 de setembro, é dia de mais uma mobilização internacional por Justiça Climática e milhares de jovens dão corpo a mais uma greve climática estudantil. Além da presença nas ruas, assinalamos este dia divulgando a Iniciativa do Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis, traduzindo e publicando o texto abaixo, originalmente publicado na página Climate and Capitalism.
Introdução (de The Bullet, 15 de setembro de 2021)
A Iniciativa do Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis estimula a cooperação internacional para acabar com o desenvolvimento de novos combustíveis fósseis, eliminar a produção existente dentro do limite climático acordado de 1,5 ° C e desenvolver planos para apoiar trabalhadores, comunidades e países dependentes de combustíveis fósseis para criar segurança e meios de subsistência saudáveis. Cidades como Vancouver e Barcelona já endossaram o Tratado, havendo mais propostas de subscrição. Centenas de organizações que representam milhares de indivíduos aderem ao apelo para que os líderes mundiais parem a expansão dos combustíveis fósseis.
Mais de dois mil académicos de todas as áreas e de oitenta e um países entregaram uma carta exigindo um Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis com o objetivo de alcançar uma fase global de eliminação do carvão, petróleo e gás para os governos reunidos na próxima [atualmente a decorrer] Assembleia Geral da ONU (14 a 30 de setembro de 2021).
Na carta aberta, os académicos reconhecem que a queima de carvão, óleo e gás é o que mais contribui para as mudanças climáticas ― responsável por quase 80% das emissões de dióxido de carbono desde a revolução industrial. Além disso, eles observam que «a poluição do ar causada por combustíveis fósseis foi responsável por quase 1 em cada 5 mortes em todo o mundo em 2018.»
Apesar disso, os governos nacionais, incluindo os próprios anfitriões da COP26, planeiam expandir a produção de combustíveis fósseis em níveis que resultariam em cerca de 120% mais emissões do que o que está de acordo com a meta do Acordo de Paris de 1,5ºC de aquecimento.
Para obter mais informações sobre a Iniciativa, visite o site, explore a Central da Campanha e veja o vídeo de introdução.
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Apelo a um Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis
Subscrito por 14 cidades e governos subnacionais, mais de 132 000 indivíduos, incluindo 2 185 cientistas e académicos de 81 países e mais de 700 organizações. Para obter a lista completa, consulte fossilfueltreaty.org.
Nós, abaixo assinados, apelamos aos governos de todo o mundo a adotar e implementar um Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis, com urgência, para proteger as vidas e os meios de subsistência das gerações presentes e futuras através de uma eliminação global e equitativa dos combustíveis fósseis em linha com o consenso científico em não ultrapassar 1,5ºC de aquecimento.
O sistema de combustíveis fósseis e os seus impactos são globais e exigem uma solução global. Apelamos aos governos para que iniciem negociações com urgência para desenvolver, adotar e implementar um Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis que estabeleça um plano global vinculativo para:
- Acabar com a expansão da produção de combustíveis fósseis de acordo com a melhor ciência disponível, conforme descrito pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente;
- Eliminar gradualmente a produção existente de combustíveis fósseis de maneira justa e equitativa, levando em consideração a respetiva dependência dos países em relação aos combustíveis fósseis e sua capacidade de transição;
- Investir num plano de transformação para garantir 100 % de acesso à energia renovável a nível global, apoiar economias dependentes de combustíveis fósseis para se diversificarem, afastando-se dos combustíveis fósseis, e permitir que pessoas e comunidades em todo o mundo floresçam por meio de uma transição global justa.
O consenso científico é claro sobre que as atividades humanas são as principais responsáveis pela mudança climática global, e que a crise climática agora representa a maior ameaça à civilização humana e à natureza.[1]
A queima de combustíveis fósseis ― carvão, petróleo e gás ― é o que mais contribui para a mudança climática, responsável por quase 80 % das emissões de dióxido de carbono desde a revolução industrial.[2]
Para manter o aquecimento abaixo da meta de temperatura de 1,5ºC, conforme refletido na literatura científica e no relatório especial do IPCC sobre 1,5ºC, as emissões globais de gases de efeito estufa precisam ser pelo menos 45 % mais baixas globalmente até 2030.[3]
De acordo com o Production Gap Report mais recente, isso requer um declínio médio na produção de combustível fóssil de pelo menos 6 % ao ano entre 2020-2030. No entanto, a indústria de combustíveis fósseis está planeando aumentar a produção em 2% ao ano.[4] É vital que a transição global para um mundo de carbono zero seja equitativa, com base na parcela justa das ações climáticas esperadas dos países, na sua contribuição histórica para as mudanças climáticas e na sua capacidade de ação. Isso significa que os países mais ricos devem reduzir a produção de combustíveis fósseis a um ritmo mais rápido do que os países mais pobres que requerem maior apoio para a transição, inclusive por meio do redirecionamento de financiamento e subsídios de combustíveis fósseis para energias renováveis.
Além dos impactos climáticos, uma nova pesquisa mostra que a poluição do ar causada por combustíveis fósseis foi responsável por quase uma em cada cinco mortes em todo o mundo em 2018.[5] Esses impactos ambientais e de saúde significativos são derivados da extração, refinação, transporte e queima de combustíveis fósseis e são frequentemente suportados por comunidades vulneráveis e marginalizadas. Ao mesmo tempo, a energia centralizada, gerada por combustíveis fósseis, muitas vezes concentra poder e riqueza nas mãos de poucos selecionados, ignorando as comunidades em que ocorre a extração.[6]
A abordagem dominante atual para enfrentar a mudança climática concentra-se em políticas que restringem as emissões de gases de efeito estufa e a procura por combustíveis fósseis, por exemplo, promovendo o crescimento de substitutos para os combustíveis fósseis, como energia renovável e veículos elétricos[7]. Mas tem havido um foco limitado em políticas destinadas a restringir a produção e o fornecimento de combustíveis fósseis na fonte.
No entanto, os esforços para reduzir a procura por combustíveis fósseis serão prejudicados se a oferta continuar a crescer. A produção contínua significa que os combustíveis fósseis continuarão a ser queimados para obter energia ― empurrando o mundo na direção do aquecimento global catastrófico ― ou que a indústria e os países dependentes de combustíveis fósseis enfrentarão enormes ativos encalhados, trabalhadores encalhados e economias encalhadas, enquanto os dinheiros públicos atualmente confiados para o desenvolvimento e o emprego no setor público e os serviços públicos essenciais evaporam.
Embora o Acordo de Paris estabeleça uma base importante para a ação do lado da equação que diz respeito à procura, sem cooperação internacional e processos políticos focados no fornecimento de combustíveis fósseis, os países continuarão a superar suas metas de emissões já insuficientes.[8]
Dada a contribuição histórica significativa dos combustíveis fósseis para a mudança climática e os planos de expansão contínua da indústria, apelamos a uma solução compatível com a escala do problema. Reduzir o carvão, petróleo e gás em linha com 1,5ºC requer cooperação global, de uma forma que seja justa, equitativa e que reflita os níveis de dependência dos países de combustíveis fósseis e as capacidades de transição. Isso, por sua vez, deve ser sustentado por recursos financeiros, incluindo transferência de tecnologia, para permitir uma transição justa para trabalhadores e comunidades nos países em desenvolvimento e uma vida decente para todos.
Nesse contexto, juntamos as nossas vozes ao apelo da sociedade civil, líderes jovens, povos indígenas, instituições religiosas, cidades e governos subnacionais para um tratado global para abordar os combustíveis fósseis.
[1] World Economic Forum, “The Global Risks Report 2020,” Insight Report (World Economic Forum; Marsh & McLennan; Zurich Insurance Group; National University of Singapore; Oxford Martin School; Wharton Risk Management and Decision Processes Center, University of Pennsylvania, 2020); IPCC, “Summary for Policymakers,” in Global Warming of 1.5°C. An IPCC Special Report on the Impacts of Global Warming of 1.5°C above Pre-Industrial Levels and Related Global Greenhouse Gas Emission Pathways, in the Context of Strengthening the Global Response to the Threat of Climate Change, Sustainable Development, and Efforts to Eradicate Poverty (World Meteorological Organization, Geneva, Switzerland, 2018).
[2] Global Carbon Project (2020) “Supplemental data of Global Carbon Budget 2020 (Version 1.0)” [Data set]. From Friedlingstein et al (2020) “Global Carbon Budget 2020.” Earth System Science Data, 12 (4): 3269-3340.
[3] IPCC, ver nota 1.
[4] SEI et al., “The Production Gap: The Discrepancy between Countries’ Planned Fossil Fuel Production and Global Production Levels Consistent with Limiting Warming to 1.5°C or 2°C,” 2019; International Energy Agency, CO2 Emissions from Fuel Combustion 2018, OECD, 2018.
[5] Vohra K. et al (2021) “Global mortality from outdoor fine particle pollution generated by fossil fuel combustion: Results from GEOS-Chem.” Environmental Research, 195: 110754.
[6] Burke M and Stephens J (2018) “Political power and renewable energy futures: a critical review.” Energy Research & Social Science, 35: 78-93; LDC Renewable Energy and Energy Efficiency Initiative (2017) Framework.
[7] Fergus Green and Richard Denniss (2018) “Cutting with both arms of the scissors: the economic and political case for restrictive supply-side climate policies.” Climate Policy, 150: 73-87.
[8] Olhoff A. and Christensen J.M. (Eds.) (2019) “Emissions Gap Report 2019.” United Nations Environment Programme.