A direita que aí vem é pior que a peste

Foi noticiada nos últimos dias, com o alarme habitual, mais uma descida na taxa de natalidade. O fenómeno é um tema recorrente do debate político, que regra geral não provoca mais do que um sobressalto inconsequente. Há também um lado hipócrita em toda a discussão. Não é pouco habitual ouvir preocupações acerca do crescimento da população mundial, pelo que talvez devêssemos louvar o facto de Portugal e muitos países europeus estarem a contribuir para inverter essa dinâmica. A verdade é que a diminuição da população não é um desastre, ela apenas se torna um problema porque a economia capitalista só funciona num pressuposto de competição e crescimentos infinitos.

Mas voltemos à taxa de natalidade em Portugal. Há uma tendência de fundo, que se pode observar nos gráficos, que está relacionada com a melhoria dos cuidados de saúde, do acesso ao planeamento familiar e com uma dinâmica geral da sociedade capitalista que, pelo menos no dito mundo desenvolvido, exige trabalho cada vez mais especializado e, portanto, longos (e caros) períodos dedicados à educação e preparação das novas gerações de trabalhadores. A precariedade laboral e a instabilidade que esta acarreta completam o quadro desta tendência, levando ao adiamento do nascimento dos filhos, mesmo quando há vontade de os ter. Mas estas questões são também acompanhadas de uma evolução cultural. Hoje em dia, constituir família deixou de ser um objectivo de vida para muitos jovens, que pretendem, e muito bem, dedicar o seu tempo a outras coisas.

Sobre as tendências de fundo da natalidade podem observar-se variações rápidas que estão ligadas a fenómenos conjunturais. Um dos mais evidentes é o pico na taxa de natalidade nos anos de 1975 e 1976, um reflexo do optimismo dos anos da revolução. No polo oposto as maiores quebras estão associadas às intervenções do FMI no país em 1977, 1983 e 2011 (as áreas a azul no gráfico representam aproximadamente os períodos de duração dos governos que conduziram as intervenções do FMI).

Esta é apenas mais uma ilustração do que continua a ser o grande problema da direita. Enquanto perdurar a memória do sofrimento causado pelo governo mais cruel da história da democracia, a direita vai ter muita dificuldade em voltar ao poder. António Costa vai vivendo desta folga, bastando não fazer nada de desastroso. A recomposição da direita actualmente em curso é acima de tudo um reagrupamento dos sectores mais entusiastas com as ideias de revanchismo social que nortearam o último governo PSD/CDS. Se esta recomposição tiver sucesso, o regresso da direita ao poder (que não vai acontecer a curto prazo) vai trazer um governo ainda mais perigoso que o governo da Troika.

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