Missão Pública Organizada: “os trabalhadores decidiram organizar-se para terem um maior controlo das condições de trabalho.”

A Missão Pública Organizada (MPO) é um movimento de funcionários públicos, formado em 2017, que visa debater o Sistema Integrado de Gestão e Avaliação de Desempenho na Administração Pública (SIADAP) e seus efeitos, e a necessária mudança na organização do trabalho da Administração Pública Portuguesa (APP). Na origem da MPO estão os próprios trabalhadores da base que, não se revendo totalmente nas estratégias de luta das organizações representativas dos trabalhadores, sentindo os crescentes efeitos negativos do SIADAP e, impelidos pelo dever ético de não pactuar com a situação existente, decidiram organizar-se para terem um maior controlo das suas condições de trabalho.

Entre tantas outras atividades, a MPO organiza no próximo dia 7 um debate com vários sindicalistas sobre a luta por um novo modelo de avaliação na APP. O debate decorrerá em linha, na página de Facebook da MPO às 18h e poderá ser seguido por todos e todas.

A pretexto deste debate, o Semear o Futuro entrevistou as dinamizadoras da MPO: Filipa Alves Coelho (Urbanista e Mestre em Planeamento Urbano) e Ana Pinheiro Costa (Economista e Mestre em Economia e Gestão do Território), ambas funcionárias públicas na Câmara Municipal de Lisboa há cerca 20 anos.

Semear o Futuro (SOF): Em poucas palavras, quais são as vossas críticas ao SIADAP e porque propõem a sua revogação, em vez da sua melhoria?

Filipa Alves e Ana Pinheiro Costa (FE e APC): O SIADAP, apresentado inicialmente como uma ferramenta para promover a produtividade e o alinhamento dos trabalhadores com a organização, na senda da New Public Management, revelou-se, previsivelmente, um instrumento perverso e com efeitos contraproducentes. Na verdade, este instrumento visa apenas a contenção salarial e é um sistema de avaliação a fingir – que sobrevive num contexto de descrédito, indignação, alienação e assédio laboral.

Assenta na ideia de que é possível uma avaliação do desempenho individual e descura a necessária avaliação da organização do trabalho e dos dirigentes.

Passados catorze anos de SIADAP, o que temos? Uma fraca cultura de avaliação, dirigentes nomeados sem concursos públicos; autoritarismo e incompetência; trabalhadores pouco ou nada envolvidos na definição das tarefas/projectos dos serviços; objectivos demasiadas vezes ultrapassados por urgências; competição em detrimento da cooperação; pessoas desmotivadas e com medo de falar; reclamações sistematicamente não respondidas; esvaziamento e subaproveitamento das estruturas técnicas e operacionais públicas através da criação de estruturas paralelas de assessoria ou subcontratação; entre muitas outras situações inaceitáveis.

SOF: Muitas das lutas sociais e sindicais dos últimos anos estão ligadas à Administração Pública. Seja em defesa da escola pública e do SNS, seja em defesa da valorização das carreiras, assim como a luta contra a precariedade laboral no Estado, entre outras. Como se liga a luta por uma avaliação justa a estas outras causas?

(FE e APC): Os funcionários públicos devem estar focados, no seu dia a dia, na sua missão de servir o cidadão. É esse o contrato do servidor público: ser leal à Causa Pública e à população, que mais não é que fazer as escolhas certas para promover serviços com a maior qualidade possível, da forma mais eficiente, eficaz e universal. Quando se introduziu o SIADAP, importado do sector privado, a lógica alterou-se: os funcionários passaram a ter que se preocupar com obter pontos para ter aumentos salariais, ficaram divididos entre servir os políticos ou defender os interesses dos cidadãos. E esses pontos são só para uns poucos, dado que existem quotas de 25% para bom ou superior. Mesmo que tenham feito um óptimo trabalho, a muitos é-lhes retirada a boa nota. Isto desmotiva qualquer funcionário, professor ou enfermeiro; para além de passarem a trabalhar num ambiente de competição em vez da desejável cooperação entre funcionários, equipas e Serviços. É já visível o desmantelamento de muitos Serviços Públicos e a destruição das relações sociais entre os funcionários públicos.

Alternativamente, a MPO propõe que se aposte num outro tipo de avaliação: a da organização do trabalho, que é necessária e urgente e envolve a participação de todos os trabalhadores na mudança e melhoria dos Serviços e que assenta nos princípios da transparência e da dignificação das carreiras.

SOF: A MPO é um movimento autónomo dos sindicatos ditos tradicionais mas, por exemplo, estiveram presentes na Greve da Administração Pública em maio. Qual é a vossa forma de atuação e como é que ela se relaciona com o sindicalismo dito tradicional?

(FE e APC): A nossa forma de actuação passa por levarmos esta luta até às últimas consequências, mobilizarmos os funcionários públicos para a discussão de forma democrática, e tentarmos ser um exemplo daquilo que defendemos.

Pensamos que há uma grande desmotivação na APP devido ao SIADAP e à falta de organização do trabalho, as pessoas estão realmente revoltadas e até doentes com este processos de “avaliação” que não servem para nada mas moem muito. E essa energia tem que ser tida em consideração pelas Organizações Represenativas dos Trabalhadores, sob pena de termos taxas de sindicalização cada vez menores. Há que resolver os problemas das pessoas e estudar estes assuntos a fundo para podermos negociar alternativas.

Conseguimos colocar o tema da avaliação do trabalho na APP na agenda pública.

A MPO, não tendo o mesmo papel que os sindicatos, pretende fazer chegar à mesa das negociações propostas que melhor respondam às necessidades da APP. Estamos totalmente disponíveis para debater estas questões e apoiar todas as mobilizações que vão nesse sentido. Fomos à manifestação de maio porque fazemos questão de fazer pontes com outras organizações relativamente aos aspectos em que concordamos, nesse caso a revogação do SIADAP, mesmo não concordando com a alternativa proposta pela Frente Comum que preconiza um outro sistema de avaliação individual de desempenho.

SOF: Algumas das iniciadoras da MPO são trabalhadoras da Câmara Municipal de Lisboa e sabemos que a Administração Local é uma parte significativa da Administração Pública. Em breve teremos eleições autárquicas. À partida será a esquerda, BE e CDU, quem melhor pode dar voz às vossas propostas. A CDU é inclusive poder autárquico em cidades importantes. Qual é a vossa expectativa face à esquerda – e em geral – nestas eleições?

(FE e APC): Desde 2017 que a MPO tem contactado todos os partidos representados na AR e na CML, procurando chamar a atenção para o que se está a passar na APP com o SIADAP. Todos reconheceram o problema. Se todos queremos uma avaliação útil para a melhoria da organização do trabalho na AP então temos que começar por encontrar pontos em que estamos todos de acordo. Com esse propósito estamos a organizar também um debate online no dia 7 de julho, com o tema Que avaliação precisamos na APP?, em que teremos como oradores alguns dos representantes dos sindicatos e federações que participam nas negociações que estão a decorrer com o Governo sobre a revisão do SIADAP.

Quanto às eleições autárquicas, queremos que este tema entre na campanha e que os partidos se comprometam a reconhecer que este é um problema grave e a tomar uma posição perante os trabalhadores, a AR e o Governo.

Abaixo publicamos um dos documentos públicos da MPO:

Contributos da MPO para uma nova avaliação na Administração Pública:

1. Abandonar o SIADAP e adotar um verdadeiro sistema de avaliação útil, simples, mais justo e sem quotas;

2. realizar análises custo-benefício e auditorias regulares ao novo sistema de avaliação;

3. recrutar os dirigentes sempre por concurso público, acabando com as nomeações partidárias e nepotistas;

4. fim do sigilo e a publicação de todas as notas para aumentar a transparência;

5. avaliação 360º dos serviços, dirigentes e executivos;

6. participação autêntica e frequente dos trabalhadores em todos os níveis de avaliação;

7. recuperação das carreiras e das suas especificidades, e que na sua progressão se tenha em conta, principalmente, a nota positiva do respectivo Serviço;

8. mudança no paradigma de avaliação apostando na auto-regulação das equipas e em prazos vinculativos de resposta aos trabalhadores, entre outros;

9. progressão nas carreiras acontecer no máximo a cada 5 anos, para além da actualização anual salarial contratada.

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