Artigo de Joana Gorjão Henriques no Público e ainda em actualização, imagem de Diogo Ventura
O Tribunal de Loures condenou o homicida do actor Bruno Candé a 22 de anos e nove meses de prisão por homicídio e posse ilegal de arma e deu como provado que o fez motivado por ódio racial. A presidente do colectivo de juízes disse não existir “qualquer dúvida” dessa motivação porque embora tenha sido alegado que a discussão foi originada por causa de um cão, todas as expressões utilizadas como “preto de merda, vai para a tua terra” e “a tua mãe devia estar numa senzala”. “Como se isso pudesse ser motivo de vergonha para qualquer pessoa que tivesse estado numa sanzala”, afirmou. “Parece absolutamente linear que há uma manifestação exteriorizada de sentimentos completamente contrários a princípios básicos da nossa comunidade.”
Tal como a procuradora, também a presidente do colectivo de juízes, Sara Pina Cabral, afirmou ter-se tratado de “uma execução sumária” do actor. Referindo que este caso não assumia grande complexidade por Evaristo Marinho ter assumido os factos, praticados à luz do dia e testemunhados por várias pessoas, a juíza sublinhou que foi questionado o facto de quem, a propósito da discussão com um cão, se mune de uma arma e sem mais desfere um tiro a cerca de um metro e meio de distância fazendo com o que o corpo caia no chão e depois descarrega o resto da arma para o corpo que jaz aos seus pés. “Provavelmente” ter algum problema psiquiátrico, indagou. Por isso foi pedido exame pericial, mas o que se confirmou foi que Evaristo Marinho não tinha qualquer problema.
“Voltamos à crueza dos factos e o que temos é uma execução sumária”, disse a juíza. Também não se tratou de um descontrolo momentâneo, segundo a juíza, pois Evaristo Marinho disse, depois de uma discussão dias antes, que ia tirar a vida a Bruno Candé e fez exactamente o que tinha dito. “Não parece de todo que foi nesse momento que tomou a decisão. Fez o que anunciou, foi buscar a arma” e desferiu “seis tiros”.
Para o tribunal o arguido “verbalizou apenas arrependimento”: “Tudo o mais, a seguir aos factos, no tribunal, foi de total ausência de remorso.”
O tribunal decidiu ainda que os dois filhos do actor serão indemnizados em 120 mil euros — o terceiro filho, representado por outro advogado, acabou por não fazer pedido de indemnização.
Na sessão anterior, a 18 de Junho, o Ministério Público pedira 22 anos de prisão para Evaristo Marinho, referindo que foi um acto premeditado e se tratou-se de uma “execução sumária” de Bruno Candé, “sem apelo, nem agravo”. Evaristo Marinho confessou ter morto o actor a 25 de Julho do ano passado. Para o MP ficaram provadas as motivações de ódio racial do homem de 77 anos que esteve em Angola durante a guerra colonial.
A procuradora destacou a postura de frieza com que executou o actor, e a “indiferença e ausência de emoção” do arguido durante o julgamento e deu como provadas as expressões com conteúdo racista proferidas por Evaristo Marinho, repetidas por testemunhas em sede de julgamento. Segundo o relatório do médico do Instituto Nacional de Medicina Legal e Clínica Forense (IMLCF), que considerou que Evaristo Marinho estava consciente dos seus actos e que era imputável, o arguido referiu: “Estou na PJ por ter matado um preto”. O médico afirmou que Evaristo Marinho não tinha nenhuma doença do foro mental e não se tratou de um acto impulsivo incapaz de ser controlado “no âmbito de um estado emotivo excepcional”, até porque existiu “toda uma organização anterior com vista à concretização de tal acto”, escreveu.
Evaristo Marinho estava acusado de homicídio qualificado, com motivação de ódio racial. Ao tribunal, na primeira sessão, a 13 de Maio, confessou ter disparado seis tiros contra Bruno Candé, em plena luz do dia na Avenida de Moscavide, e atribuiu-o a um impulso. “Quando vi o riso dele em tom de gozo perdi a cabeça.”
O arguido negou em tribunal que a motivação fosse racista, mas à PJ confessou ter dito a Bruno Candé: “A puta da tua mãe está numa sanzala!” No despacho de acusação o Ministério Público citou várias frases ditas pelo arguido a Bruno Candé que foram ouvidas por testemunhas: “Vai para a tua terra, preto!”, “Tens toda a família na sanzala e devias também lá estar”, “Fui à c*** da tua mãe e daquelas pretas todas! Eu violei lá a tua mãe!”, “Anda cá, que levas com a bengala, preto de merda!” Em tribunal, várias testemunhas confirmaram ter ouvido frases como aquelas. Nomeadamente “preto de merda, vai para a tua terra”, vai “para a sanzala porque era o sítio onde devia de estar (sic)”, “preto de merda”, “preto do caralho”, “lá no Ultramar ou lá o que era violei a tua mãe” e “tenho armas e casa do Ultramar e vou-te matar”.
Quando depôs, Evaristo Marinho disse, com frieza e desprendimento, como notou uma das juízas, que foi um “pressentimento” que o levou a colocar a arma e seis munições na bolsa que levava à cintura no dia 25 de Julho de 2020. Foi esse mesmo “pressentimento” que o “chamou” para ir à rua onde tinha tido uma discussão com o actor e foi esse pressentimento que o conduziu à prática do crime, justificou. Mas a procuradora, esta sexta-feira, disse: não se tratou de pressentimento, mas de premeditação.
A advogada de Evaristo Marinho, Alexandra Bordalo Gonçalves, presidente do conselho de deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, negou que a motivação fosse ódio racial e referiu que proferir palavras preconceituosas ou mesmo racistas não chegam para se considerar que houve ódio racial. Questionou também vários elementos da vida do actor para pôr e causa o pedido de indemnização feito pelas mães dos três filhos do actor. Chamou “arguido” por várias vezes a Bruno Candé, sem corrigir.