Peru: “Será vitoriosa a pretensão popular por mudanças” – Entrevista a Francisco Colaço

Na sequência das eleições de 6 de junho no Peru em que, após uma longa e disputada contagem, confirmou-se a vitória do candidato que unificou a esquerda, Pedro Castillo, o Semear o Futuro dirigiu algumas questões a Francisco Colaço que participou como observador internacional nestas recentes eleições.

Semear o Futuro (SoF): Antes de mais, conta-nos um pouco sobre a tua ligação ao Peru e a este processo em particular.

Francisco Colaço (FC): Chamo-me Francisco Miguel Colaço, sou Autarca no Cartaxo e na Comunidade InterMunicipal da Lezírias do Tejo, CIMLT.

Enquanto dirigente do Bloco de Esquerda e membro do Departamento Internacional fui convidado para integrar o Grupo de Trabalho para a América Latina e Caribe do Partido da Esquerda Europeia. Com muito gosto aceitei, já que a minha ligação à América Latina vem dos primeiros tempos de militância política, ainda adolescente, nos anos 70 do século passado. Contactos com históricos dirigentes de correntes políticas da América Latina, sobretudo da Argentina, mas também do Perú…….lembrar o grande Hugo Blanco1……. naquele tempo era normal, pois aquele continente vivia uma luta de classes intensa, com grandes lutas e de várias formas, sobretudo na sequência da Revolução Cubana.

E A Revolução Portuguesa foi uma experiência muito interessante e todos vieram vivê-la e presenciá-la. Aí tivemos, também muitos contactos, sobretudo os mais activos e militantes à época…..eu militava no movimento estudantil….na Aliança Socialista da Juventude.

SoF: Foi agora confirmada a vitória de Pedro Castillo contra Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, no Peru. Qual o significado histórico desta eleição?

FC: O resultado de mais esta derrota da “ex-primeira dama” de Alberto Fujimori reflete uma saturação e um desgaste da oligarquia peruana, que apesar de tudo ainda consegue muita força eleitoral, sobretudo em Lima, onde viva 1/3 da população de cerca de 30 milhões de habitantes. O Perú é um país rico, (2º. Produtor mundial de cobre, 4os. Produtores de Ouro e prata) mas cheio de pobres……sobretudo as populações rurais,, indígenas, índios, campesinos, de fora de Lima, 2/3 da população.

SoF: O resultado renhido e a uma contagem longa dos votos tem feito que muitos, inclusive Castillo, acusem a direita de tentar boicotar a tomada de posse do candidato da esquerda. Nas ruas, o povo mobilizou-se contra esse perigo. Qual foi a dimensão e importância destas mobilizações?

FC: Quando me reunia com os dirigentes da esquerda peruana e eles me confidenciavam os receios do não respeito pelos resultados eleitorais, pela oligarquia, se lhe fossem desfavoráveis, eu comentava que as ruas teriam, então, de ser tomadas pelo povo na defesa da democracia e das liberdades democráticas e no respeito pelos resultados eleitorais…..em termos de opinião, naturalmente, que o povo peruano tem tido grandes lutas ao longo da sua vida de 200 anos de independência e sabe bem o que deve fazer. Mas é isso mesmo o que estão a fazer, de todo o Perú estão a afluir a Lima, a capital, milhares de trabalhadores, campesinos, mineiros e muitíssimas mulheres, por vezes as mais lutadoras e exigentes no respeito pelos resultados eleitorais. Estão a ser ajudados pelas populações pobres de Lima, com alimentação e comida e muitos estão a dormir pelos jardins…….a mobilização é muito grande, vêm com as suas vestes tradicionais, com a sua música tradicional e exigem respeito pelo voto popular nas eleições presidenciais do dia 6 de Junho. O povo trabalhador, operários e mineiros, e os camponeses de todo o Perú exigem mudanças no país e o afastamento das políticas neo-liberais que tanta pobreza e miséria têm criado no país. Creio que existindo o perigo de golpe, será vitoriosa esta pretensão popular, apesar de tudo. Com muitas dificuldades, dada a composição do congresso, mas com a luta e a mobilização conseguirá fazer avançar esta dinâmica de mudanças políticas.

SoF: Após a vitória de Alberto Fernandez na Argentina, do MAS na Bolívia e o resultado da esquerda nas eleições para a Assembleia Constituite no Chile, vemos uma nova vitória eleitoral da esquerda na América-Latina. Depois da onda de golpes e vitórias da direita em anos anteriores, o que nos dizem estes resultados sobre os rumos políticos da América-Latina?

FC: Creio que estamos no inicio de um novo ciclo, ciclo marcado pelas imensas mobilizações na Bolívia, contra o Golpe e no Chile, contra os restos do pinochetismo, ainda existente no actual texto constitucional. Creio que a América Latina vai continuar a viver um ciclo de mobilizações populares e de vitórias das diversas esquerdas, que se apresentam nas mais diversas formas, mais ou menos consistentes. As governações terroristas neo-liberais deixaram o continente exausto e as suas populações muito empobrecidas e muito enfurecidas, também. Novas gerações emergem na luta politica pela democracia, e pela justiça. Essas gerações cresceram em pleno espúlio neo-liberal, viveram pior que os seus pais e não aceitam mais isso……creio que uma larga onda de mobilizações e de vitórias contra os projectos neo-liberais das diversas burguesias e oligarquias se consolidará. Só é necessário que as mobilizações, as exigências de justiça social e a organização popular não parem, numa pressão permanente para fazer avançar a democracia nas diversas vertentes, política, económica e social. Portanto, mobilização, organização e programa político (exigências) serão a garantia de que estes avanços não pararão nem andarão para trás…..

Estejamos atentos nos próximos dias à situação politica no Perú……

  1. Hugo Blanco é um militante histórico da esquerda peruana e da América-Latina. Tendo aderido ao trotskismo equanto estudava na Argentina, nos anos 60 regressou ao Peru onde dinamizou a criação de sindicatos camponeses. Preso e condenado a 25 anos de prisão, foi apoiado por uma campanha de solidariedade internacional e exilou-se na Suécia. Regressou em 1978 ao Peru, onde foi eleito deputado constituinte e depois senador pela coligação Esquerda Unida.

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