Renato Teixeira, assessor de imprensa e jornalista particularmente dedicado à investigação e divulgação dos factos decorrentes do genocídio perpetrado por Israel, responde às nossas questões sobre as últimas investidas criminosas por parte do governo de Netanyahu e também sobre a organização da legítima defesa palestiniana.
O que está por trás da nova ofensiva de Israel sobre o povo palestiniano?
Israel tem uma agenda de colonização absoluta da Palestina. Durante décadas alguma esquerda e alguns movimentos nacionalistas árabes avisaram, quase sozinhos, dessas intenções. Hoje, com o evoluir do processo, está a tornar-se uma evidência. O ataque desta ofensiva começou por ser Jerusalém, pelo seu simbolismo mas também pela pouca resistência que enfrentou, dentro e fora da Palestina, a mudança da embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém. Motivados por isso, sabendo que a saída de cena de Trump e a entrada de Biden nada significaria nada em termos de mudança dos EUA face à sua política externa em Israel, acossado internamente pelo crescimento dos sectores do sionismo radical e sem garantias de continuar Primeiro Ministro e de usufruir da imunidade que lhe permite evitar processos jurídicos complexos, Netanyahu, em sintonia com o Presidente da Câmara de Jerusalém, Moshe Lion, eleito pelo partido de extrema-direita Yerushalayim Shelanu, não esconderam que a anexação de Sheikh Jarrah era o princípio de um processo maior, com vista a consumar a judaização integral de Jerusalém, confiscando o que falta confiscar no bairro de Sheikh Jarrah mas também nos demais bairros que sobram a Jerusalém Oriental. Para reforçar a consciência do seu eleitorado que esse processo era irreversível, que depois de consumado em Jerusalém não teria nenhum outro limite, proibiu também que as eleições palestinianas se realizassem na cidade velha e passou a provocar e a atacar a liberdade de culto e o controlo sobre Al-Aqsa, o coração árabe de Jerusalém. Para Israel eram favas contadas, mas a velocidade dos acontecimentos não só apanhou desprevenido o governo israelita como os deixou com um roteiro difícil de resolver face aos vários problemas que surgiram como resposta por parte das várias declinações da resistência palestiniana.
Achas que existe a possibilidade de uma nova intifada?
Acho que sim. Em apenas uma semana Israel abriu oito frentes de guerra, algumas inesperadas como foi o caso dos árabes com cidadania israelita, que interpretaram a revolta nas cidades mistas onde chegaram obrigar a Tshal e as forças da ocupação a sair em debandada de vilas importantes como as de Lod, a 15 minutos de Telavive e onde se encontra o aeroporto Internacional de Ben Gourion, entretanto encerrado até que a situação política se resolva. A radicalização do sionismo está a unificar toda a sociedade palestiniana, nomeadamente relativamente à adesão aos protestos. O Hamas, a Jihad Islâmica, as Brigadas Al Aqsa e a Frente Popular de Libertação da Palestina, esta última de natureza laica e marxista, estão em força nos protestos, que se generalizaram a toda a Palestina e colocaram, fruto dos árabes israelitas, Israel também no limiar de uma guerra civil no plano interno. Só a Fatah não está, como parece não estar já em nenhum outro lugar, com Mahmoud Abbas a ser incapaz do que quer que seja a qualquer outro nível, com uma Autoridade Palestiniana atónita face ao evoluir dramático dos acontecimentos. Israel pode ter cometido dois erros estratégicos importantes. Ao ferir Al-Aqsa feriu todo o mundo árabe que tem esse lugar como capital religiosa, da Mauritânia ao Paquistão. Ao ferir o bairro de Sheikh Jarrah destruiu as ilusões dos árabes israelitas e dos palestinianos que ainda acreditavam no delírio da coexistência pacífica entre ocupantes e ocupados.
O que podemos fazer cá, em Portugal, para apoiar a luta do povo palestiniano?
Há sempre algo a fazer mas Portugal é um país marginal neste processo, seja pela sua relação pouco intensa com Israel, seja pelo reduzido número de emigrantes da diáspora palestiniana. Acho que há dois níveis de intervenção possíveis. Um político, denunciando os seus crimes, mobilizando e organizando protestos, combatendo a diplomacia e a propaganda israelita em Portugal. Outro é económico, nomeadamente através da campanha de boicote mas sobretudo pelo reforço do seu isolamento, como se fez para combater o apartheid da África do Sul, a Indonésia de Suharto ou os países que foram tomados pelo fascismo e pelo nazismo ao longo do século passado. Israel e alguns barões sionistas têm apostado no negócio do imobiliário, têm participações fortes em algumas empresas importantes que operam em Portugal. Tem uma Câmara de Comércio na cidade do Porto. Estes interesses, a par da sua Embaixada, devem ser expostos, combatidos e denunciados, para que a cada dia Israel esteja mais limitado dentro e fora da Palestina, combatendo o medievalismo da sua agenda ideológica e os dentes da sua ação colonial.
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