#EuTambém

…já sofri assédio sexual

…já fui alvo de comentários machistas

…já fui violada

…já fui agredida

…já fui vítima de violência psicológica

…já fui controlada por um parceiro

…já fui deslegitimada quando denunciei

Tarana Burke fundou, em 2006, o movimento Me Too, para denunciar assédio sexual e violência de género nos EUA. Vários anos mais tarde, em 2017, através de um hashtag no Twitter, o movimento viralizou, com centenas de milhares de testemunhos de mulheres que colocaram na ordem do dia o problema da violência de género, nas suas várias expressões. O movimento Me Too espalhou-se por muitos países e contribuiu também para fortalecer o chamado internacional da Greve Feminista, recusando silenciar perante tanta violência dirigida especificamente a nós, mulheres. 

Infelizmente a violência é a norma, não a excepção – por isso somos tantes a dizer “Eu também”. Em Portugal vemos os primeiros testemunhos mediáticos a surgir, como os de Cristina Ferreira e Sofia Arruda, e as reações a par e passo, num grito revoltado com tamanha coragem das mulheres, que não esqueçamos, querem-se (sobretudo) dóceis, caladas e colaborativas. A corrida para salvaguardar a honra do acusado é tantas vezes acompanhada da deslegitimação da denunciante, através de dúvidas como: “mas agora, depois de tanto tempo?”; “ela quer é atenção”; “de certeza que é exagero dela, ou então quis e depois arrependeu-se”. Preciso que entendam o quão errada é esta reação – uma mulher faz uma denúncia, pública, de abuso, agressão, assédio, o que seja ou solidariza-se com outra mulher, dizendo “eu também” e o problema são essas mulheres? 

Talvez com estatísticas, dados e estudos seja mais fácil entender que o Me Too não representa um conjunto de mulheres mal amadas e vingativas mas é sim expressão de uma realidade dolorosa que nos afecta dia sim dia sim.

  • 1 em cada 3 mulheres no mundo foi submetida a violência física e/ou sexual por um parceiro íntimo ou violência sexual por um não-parceiro;
  • 30% das mulheres no mundo relataram que sua primeira experiência sexual foi forçada;
  • todos os dias cerca de 137 mulheres são mortas por seus parceiros ou familiares;
  • mulheres entre 15 e 44 anos correm maior risco de serem violadas e sofrerem violência doméstica do que terem cancro, estarem num acidente de carro, contrariem malária ou terem ferimentos de guerra. 

Com a pandemia e os confinamentos podemos estar a falar de dados ainda mais graves, que não são ainda capazes de ser contabilizados. O que sabemos é que o coronavírus deixou as mulheres mais isoladas, à mercê de inúmeras situações de abuso e sobrecarga, confinadas muitas vezes com os seus agressores. Não por acaso surgiram novas linhas de apoio e formas alternativas de denunciar a violência doméstica, por exemplo. 

Uma pandemia contra nós

A ONU afirma que a violência de gênero é uma “pandemia global”. Então porque é que a cada denúncia surge uma colectividade de juízes, testemunhas, advogados (todos sem formação) que colocam a vítima no banco do réu e o agressor geralmente já livre de qualquer culpa? Eu não acho que devemos automaticamente condenar o acusado em praça pública sem averiguar factos mas o modus operandi de automaticamente duvidar de quem denuncia é totalmente errado. Tenham presente que as denúncias falsas são residuais. Tenham presente que culpabilizar a mulher – pela agressão ou pela denúncia – não resolve nada.

Não basta a mulher passar pelo assédio, pela violência – quando decide (se decidir!) falar, a reação é também ela violenta. Por isso a nossa força está em nos apoiarmos, levantarmos ondas de solidariedade que cubram estas mulheres e apontarmos saídas. 

Falar é importante, porque nos retira do isolamento. O Me Too teve o mérito de mostrar que somos tantas, tantas, tantas e que o problema não é individual mas sim uma expressão de machismo, sexismo, racismo sistémico que tem que ser combatido. Falemos pelas que não conseguem, falemos pelas que já foram assassinadas, falemos pelas que ainda estão por vir. Precisamos de construir movimentos feministas fortes para que a cada injustiça estejamos prontas para ripostar. Nem uma menos. Precisamos de programas de combate às violências de género contemplados nos orçamentos de estado e construídos com o movimento feminista, para que haja investimento em estruturas, contratação de pessoal, campanhas de (in)formação, em todo o território. Precisamos também levar o feminismo para dentro das organizações de trabalhadores, sindicatos, partidos, comissões de manifestações. As organizações não estão imunes, precisamos de ferramentas para lidar com os problemas. Posturas defensivas não resolvem os problemas nem fazem avançar a luta.

Precisamos de entender que o machismo (e o racismo, LGBTfobia) é um organizador estrutural das relações na sociedade capitalista, que interfere brutalmente com a nossa condição económica e social. Para responder aos problemas que nos assolam precisamos de um programa interseccional, que não ignora as violências sistémicas sobre as mulheres, as pessoas racializadas, imigrantes e LGBT+. 

A violência, sob todas as suas formas, é parte integrante do quotidiano de uma sociedade capitalista, pois é apenas através de um misto de coação violenta e consentimento fabricado que o sistema consegue sobreviver. É impossível travar uma forma de violência sem travar as restantes. Apostado em erradicá-las a todas, o feminismo para os 99% tem por objectivo aliar a luta contra a violência de género à luta contra todas a formas de violência na sociedade capitalista – e contra o sistema social que as legitima” Manifesto Feminismo para os 99%

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