Utopias de hoje

Texto de Clara Santiago, ativista do Climáximo

“A ascenção do sentimento colonial há-de levar-nos longe. As colónias podem dar-nos tudo. Cumpre-nos elevar a vida do preto. A sua nudez externa é o espelho da sua nudez moral.
Julgo que a selecção irá operando os seus efeitos e que dentro de poucas dezenas de anos, da face da Terra, terão desaparecido as raças negras, mas as outras salvar-se-ão, as raças nobres combatentes.”
1934, álbum oficial da 1ªexposição colonial portuguesa

Liberdade,
Ainda não a compreendo plenamente,
Nunca a pensei,
Talvez não seja lembrada com a sua devida urgência e significância.

O 25 de Abril foi uma lembrança. O limiar de uma promessa utópica. Uma semente lançada às fendas da terra que tremia, tremeu e espera tremer desde então.
O tremor que abalou as paredes do poder, o esqueleto da ditadura. O tremor oriundo das terras quentes, dos corpos negros, cansados, que ousavam pensar a liberdade. No seio de uma guerra sem sentido paga pelo interesse da burguesia e do capitalismo internacional.

Será a opressão parte da natureza humana?
Gosto de acreditar que não,

Talvez tenha começado na Idade do Bronze, com a escravização da natureza e da mulher.

O Antropoceno, extraímos da terra; das pessoas; da cultura…
“Eles comem tudo e não deixam nada”

O imperialismo realiza a sua soberania. Ergue arquiteturas opressoras, ao serviço das agendas políticas e corporativistas.
Somos prisioneiros do consumo que promete saciar todos os apetites, que nos tranquiliza com o sentimento de pertença a um grupo. Somos prisioneiros do medo. A fábrica dos medos que legitimam o ódio. Ódios convenientes.

“Ataques terroristas em Moçambique”
“Grupo Jihadista na Província de Cabo Delgado”
O inimigo é identificado.
“Portugal envia 60 Militares”
“Estados Unidos mobilizaram 700 mil dólares para ajudar Moçambique”
Os heróis auxiliam e garantem a segurança do povo.

Temos medo do vizinho,
Temos medo de nós próprios.

No Estado Novo, 96% da população era iletrada. A ignorância é o pilar do medo, da submissão, da paralisia.

Gostaria de nomear o verdadeiro inimigo. Cabo Delgado é a nona maior reserva de gás fóssil do mundo. Galp, Total, Shell, BP, ENI, estes são os terroristas.

O projeto colonial enriqueceu o império português. Moçambique contribuiu com ouro, carvão, marfim, tabaco, açúcar, cimento, petróleo. Hoje, gás.

O auxílio dos heróis visa proteger nada mais que o investimento colocado na indústria de gás que abastecerá a Europa, a Ásia e os EUA.

A História parece repetir-se,
Talvez não seja lembrada com a sua devida urgência e significância.

A promessa utópica da revolução ficou por cumprir, mas gostava de deixar a minha.

Uma economia justa, ao serviço da comunidade.
Uma Democracia interseccional e inter-racial, pensada para e POR todas.
Uma sociedade pluridiversa, assente nos conhecimentos vernaculares indígenas.
Uma transição justa, pensada pelos trabalhadores.
Um futuro descarbonizado e regenerador.

“Quem faz a lei é o povo”

(Imagem do artista e ativista ambiental, defensor dos direitos humanos, Mário Macilau)

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