Ricardo Amaral, pseudónimo
A construção de um novo aeroporto para Lisboa (ou para área metropolitana de Lisboa) é uma questão, que para mágoa de alguns, já se arrasta há cerca de 50 anos. Não vamos neste artigo explorar qual a melhor localização para o eventual aeroporto. As duas localizações que atualmente estão em discussão ficam perigosamente perto de um belo pedaço do território nacional, um ecossistema precioso e um ponto vital das rotas de migração de várias espécies de aves. Acrescente-se a isso a necessidade de construção de uma extensa rede de acessos a essa suposta infraestrutura, que irá contribuir ainda mais para a destruição desta zona. É sabido que quer o aeroporto fique localizado na atual base aérea nº6 no Montijo, quer no campo de tiro de Alcochete, vai ser necessário construir uma ligação ferroviária entre o aeroporto e Lisboa e que isso implicará a construção de uma nova ponte sobre o Tejo. Os custos serão certamente bastante elevados e o impacto sobre o ecossistema da foz do Tejo irreversível.
Para além disso, quando o mundo está perante uma emergência climática em que tem de dar resposta a uma ameaça sem precedentes ao futuro da humanidade, parece contraditório que um país que tanto se orgulha do seu esforço pela redução de emissões de CO2, esteja tão empenhado na construção de um novo aeroporto. O transporte aéreo é a forma mais poluente de viajar e é aquela em que mais dificilmente surgirão alternativas tecnológicas que diminuam essa poluição. Além disso é o sector de atividade em que as emissões mais têm crescido a nível mundial e ainda por cima (não por coincidência) está totalmente isento de qualquer custo ou limite às emissões de CO2 que produz. Uma infraestrutura como o novo aeroporto vai amarrar Portugal a um lastro de CO2 durante décadas, num período crítico para salvar o clima do nosso planeta.
O problema é que por trás desta corrida está o cada vez mais poderoso negócio do turismo. Este sector representou em 2019 cerca de 13% do PIB nacional e a expectativa seria de um valor ainda mais elevado em 2020, não fora a epidemia de COVID-19. Ignorar isto é não compreender que o novo aeroporto não é uma infraestrutura socialmente inócua, ele é uma das peças centrais de um modelo de desenvolvimento que pretende transformar Portugal numa colónia de férias. Um modelo de desenvolvimento que empregará centenas de milhar de jovens a mudar roupa de cama, a lavar louça e a servir à mesa, usufruindo muito pouco do contributo do seu trabalho para o PIB nacional. O aeroporto é uma infraestrutura que para além de uma ameaça ao habitat das aves migratórias, é uma ameaça ao acesso à habitação a todos os que vivem e trabalham na área metropolitana de Lisboa. Representa uma nova alavanca para que os fundos imobiliários estendam os seus tentáculos a regiões cada vez mais vastas do país, expulsando os moradores dos centros históricos das nossas cidades para as rentabilizar como disneylândias castiças. É um modelo de desenvolvimento de muito pouca ambição, mas de muita fragilidade, como se pode constatar pelo efeito da pandemia no sector do turismo.
Melhor seria que se fizesse as contas ao custo do novo aeroporto, da sua ponte, do seu comboio e da sua autoestrada, e se investisse o dinheiro na promoção de sectores altamente especializados da indústria e dos serviços que diversificassem a economia, produzissem riqueza, empregos com qualidade e contribuíssem para o bem-estar das pessoas e do planeta.