Brasil: a anulação das condenações de Lula é uma grande vitória democrática

Ontem, dia 8 de março, soube-se da anulação das condenações do ex-presidente do Brasil, Lula da Silva. Consideramos que esta é uma notícia da maior importância, não só no Brasil, mas para toda a esquerda internacionalmente, devido a tudo o que significou a condenação, a prisão e a retirada de direitos políticos do líder do Partido dos Trabalhadores. Por isso, reproduzimos o editorial do site brasileiro Esquerda Online, originalmente intitulado “Uma Grande Vitória Democrática”, com ligeiras adaptações para facilitar a compreensão das leitoras e leitores em Portugal.

A decisão do ministro Edson Fachin, do STF, de anular as condenações de Lula da Silva na Lava-Jato e restaurar seus direitos políticos representa uma relevante vitória democrática, certamente a mais importante dos últimos anos. A condenação e prisão de Lula, ao arrepio do devido processo legal, foi peça chave na ascensão de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto. A ordem bombástica de Fachin provavelmente tem como objetivo preservar a Lava-Jato do julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, que deve ser pautado na 2a turma do STF nessa terça-feira, dia 9, podendo, a depender do resultado, desmoralizar por completo a República de Curitiba1. Em todo caso, a decisão de Fachin, que deve ser confirmada no Plenário do STF, produz uma reviravolta no tabuleiro político, ao colocar Lula novamente no centro do palco. 

Para se ter dimensão exata do que está em jogo, é preciso ter em conta o significado da Lava-Jato na vida nacional nos últimos seis anos. Como se sabe, a operação persecutória foi fundamental para a desestabilização e o impeachment de Dilma Rousseff. Com a consagração do golpe parlamentar, Michel Temer colocou em marcha um programa de destruição de direitos sociais e trabalhistas. Nesse período, por exemplo, foram aprovados a Reforma Trabalhista, a Emenda do Teto dos Gastos, diversas privatizações e a intervenção militar no Rio de Janeiro. 

Em 2018, apesar da ofensiva reacionária, Lula aparecia em 1o lugar nas pesquisas para a corrida presidencial. Sua prisão, antecedida e acompanhada de uma brutal e frenética campanha midiática de criminalização do PT e do conjunto da esquerda, abriu as portas para o crescimento da candidatura de Jair Bolsonaro. No segundo turno, a Lava-Jato e a burguesia brasileira abraçaram o capitão fascista. O juiz que havia condenado Lula, em um processo fraudado, tornou-se Ministro da Justiça de Bolsonaro. 

Bolsonaro assumiu a presidência com Lula na cadeia. Nos dois últimos anos, o país convive com um governo genocida, autoritário, neoliberal e perversamente destrutivo. A lista de crimes de Bolsonaro preenchem incontáveis páginas, mas basta, aqui, registrar que a política do atual governo está produzindo uma mortandade sem precedentes no país. Com a pandemia à deriva e a vacinação a passos de tartaruga, mais de 266 mil brasileiros já morreram oficialmente de covid-19. Sérgio Moro e a Lava-Jato romperam com o governo Bolsonaro em meados do ano passado, mas carregarão para sempre a responsabilidade de terem ajudado a levar o genocida ao poder. 

Nossa posição contrária às condenações de Lula e pela restituição de seus direitos políticos decorre de uma avaliação — confirmada por evidências materiais reveladas nos diálogos criminosos de Moro e procuradores no aplicativo Telegram — de que a Lava-Jato sempre serviu à ofensiva reacionária da classe dominante e do imperialismo norte-americano contra a classe trabalhadora e a esquerda brasileira. 

Essa opinião não apaga as críticas de esquerda que devem ser feitas a Lula e ao PT. A opção de formar governos em alianças com setores da burguesia cobrou seu preço, preservando um regime político corrupto controlado pela direita, e excluindo o protagonismo das mobilizações populares. O programa social-liberal aplicado nos governos do PT, que consistia em garantir altos lucros aos grandes capitalistas com algumas concessões aos trabalhadores, sem reformas de fundo, manteve a estrutura social e econômica capitalista profundamente desigual. A escolha de aplicar um plano de ajuste liberal contra os trabalhadores com Joaquim Levy, logo após a vitória sobre Aécio em 2014, desmoralizou a base social de apoio ao governo Dilma, deixando o PT sem capacidade de enfrentar a ofensiva golpista que se desenhava. 

Se a decisão de Fachin for confirmada pelo Plenário do STF, Lula e o PT voltam com força ao centro da disputa política nacional. Esse retorno trará consigo enorme responsabilidade. Qual será a estratégia de Lula e do PT daqui para frente? Apostar na mobilização e organização do povo trabalhador para derrotar o governo genocida de Bolsonaro? Construir o projeto de um governo de esquerda, sem alianças com a direita e a burguesia, para fazer mudanças estruturais ancorado na força da mobilização popular, a única capaz de neutralizar a reação conservadora? Ou Lula e o PT tentarão reeditar as alianças com setores da direita, agradar o mercado financeiro e ficar, de novo, refém da profundamente reacionária burguesia brasileira? Acreditamos que o PSOL, força emergente da esquerda brasileira, tem plena razão quando afirma que é preciso lutar por um governo dos trabalhadores e oprimidos, sem alianças com a direita e sustentado na mobilização do povo, para realizar mudanças profundas em benefício da grande maioria do nosso povo. 

  1. Republica de Curitiba é uma expressão usada no âmbito político e jornalístico que se tornou comum para referir o coletivo de Juízes, sedeado na capital do Paraná, Curitiba, que liderou a operação “Lava Jato”, que condenou Lula da Silva;

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