Tradução para inglês aqui por Bobby Sparks
O que se esconde por detrás da Bazuca Europeia?
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ou a sua denominação mais popular “Bazuca” Europeia, tem sido apresentado como a “tábua de salvação” para a crise económica desencadeada pela pandemia da COVID-19. Mas o que é o PRR? É um mecanismo de financiamento da economia, elaborado pela Comissão Europeia, que prevê um total de 672,5 mil milhões de euros. Destes 312,5 mil milhões de euros serão em subvenções a “fundo perdido” e 360 mil milhões em empréstimos aos países que os solicitarem. Segundo o PRR apresentado recentemente pelo Governo português, Portugal planeia aceder a 13,9 mil milhões de euros a “fundo perdido” e cerca de 2,7 mil milhões em empréstimos. Muitos tem sido os que, do Governo à direita, tem vindo elogiar a resposta da Comissão Europeia perante esta crise. Comparado com o plano de investimento na economia dos EUA de cerca de 1.59 biliões de euros, damo-nos conta que o valor da “bazuca europeia” é insuficiente. Contudo, é evidente que há uma mudança na resposta da U.E à crise económica, ao contrário da crise de 2008, em que esta apostou numa política orçamental recessiva, que se preocupava antes de mais com as dívidas soberanas, e que, desta vez parece ir num sentido mais expansionista da economia. Ainda que seja preciso cautela perante este mecanismo.
Passado quase um ano do anúncio da “bazuca” europeia, ainda não chegou dinheiro a nenhum dos países e quanto mais se vai conhecendo do plano mais se percebem as suas limitações.-
Por exemplo, as tão propagandeadas subvenções a “fundo perdido” sabe-se agora que ficam condicionadas à aprovação da Comissão Europeia (CE), que continua a defender receitas neoliberais bem conhecidas como a reforma das pensões e do mercado de trabalho. Além do mais, e como bem colocou o eurodeputado do BE, José Gusmão, no podcast do Jornal “Público”, as subvenções serão dívida que serão pagas no futuro. Além disto, o acordo também indica que, quando a situação permitir, a política de austeridade orçamental (Pacto de Estabilidade e Crescimento – PEC) suspensa há um ano por conta da pandemia será aplicada novamente. Por último, os fundos europeus serão aplicados sobretudo em empresas e dentro destas em novos setores “uberizados”. A famosa “transição digital” tem muito a ver com o aprofundar do trabalho via plataformas e do teletrabalho que sabemos que sem controlo democrático dos trabalhadores e reforço da leis laborais significa a desregulamentação e precarização, o exemplo são os trabalhadores da Uber, Glovo ou mesmo o teletrabalho nos call centers. Sobre o apoio do PRR às empresas o primeiro ministro, António Costa, já veio dizer que será 4,6 mil milhões de ajudas directas, a que se somam as ajudas indirectas provenientes. Deixando setores, como o da cultura, que tem sido muito afectado pela pandemia ser qualquer tipo de ajuda/fundos.
Que plano é necessário para os de baixo?
Na verdade é necessário uma bazuca social para enfrentar a tremenda crise que a classe trabalhadora vive, sobretudo os setores mais oprimidos e explorados. Uma bazuca que tenha em mente as necessidades da classe trabalhadora e não das empresas, dos multimilionários e poderosos.
Um plano que tenha em consideração a crise climática e que responda com medidas concretas. O financiamento de empregos para o clima, ou seja, a criação de serviços públicos e milhares de empregos dignos e socialmente úteis para combater a crise climática. Apostar efetivamente na ferrovia em detrimento da rodoviária ou aviação, com a renovação e construção de mais ferrovia, o que iria gerar mais emprego socialmente útil e reduziria a emissão de gases com efeito de estufa. Há estudos que apontam que uma transição energética socialmente justa poderia gerar 100 mil novos postos de trabalho.
O tema da Saúde é também fulcral. Se houvesse dúvidas, a pandemia demonstrou a importância dos serviços públicos, mais concretamente do serviço nacional de saúde (SNS) em detrimento da saúde privada; demonstrou que o investimento no SNS é uma necessidade de forma a que a classe trabalhadora possa ter acesso a saúde gratuita e de qualidade e também que os profissionais deste setor sejam devidamente valorizados. Também na educação é premente um investimento sério, com menos alunos por turma e consequentemente mais profissionais.
A pandemia também colocou a nú como as mulheres, sobretudo as racializadas, foram as mais afetadas. Não só pelos trabalhos mais precários que têm mas também pelas tarefas e cuidados domésticos que recaem nos seus ombros e que se agravaram com os confinamentos e fecho das escolas. A pandemia também escancarou a situação degradante nos lares do país. Neste sentido, precisamos de uma rede pública de creches, lares públicos, lavandarias e restaurantes públicos de forma a deixar de sobrecarregar as mulheres trabalhadoras. Num momento que as ideias racistas e extrema direita ganham visibilidade no mundo e em Portugal, investir num plano nacional de combate ao racismo.
Dado os preços exorbitantes para comprar e também para alugar casa, sobretudo nas grandes cidades, esse plano teria que dar prioridade à habitação a preços acessíveis e o fim dos despejos. A habitação é um direito escrito na constituição mas que não é aplicado na prática. A consequência é a classe trabalhadora pagar cada vez mais para viver mais longe dos locais onde trabalha e das cidades que é onde existe mais pontos de interesse.
São os trabalhadores mais precarizados, produto das medidas da troika, que tem sido mais atingidos pela pandemia, sobretudo os trabalhadores dos setores da hotelaria, cultura, restauração e turismo. É necessário um plano que garanta que não há nenhum corte em direitos e que reponha as leis laborais pré-troika. São necessários apoios aos trabalhadores dos setores mais afetados que lhes garanta uma rendimento básico durante a pandemia.
E para que estas medidas sejam possíveis tem que se ir buscar o dinheiro onde ele está. Não vamos permitir que a crise seja mais uma vez paga pelos 99% e pelo planeta. Basta de ajudas aos mesmos de sempre: às grandes empresas, a empresas poluentes. Basta de fechar os olhos a quem ganha com a crise pandémica como por exemplo os donos multimilionários da Amazon, do Facebook, da Google e das farmacêuticas. É tempo de taxar os multimilionários e as grandes fortunas, os ricos que paguem a crise para se iniciar uma redistribuição da riqueza igualitária.
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