Encontro feminista transfronteiriço

Por Clara Sandra e Rebeca Moore

A 7 de fevereiro ocorreu a primeira assembleia aberta da Plataforma Transfronteiriça Feminista, uma sessão online onde estiveram presentes perto de 270 companheiras representantes de vários países sul americanos, americanos, europeus e do médio oriente: Argentina, Áustria, Bélgica, Brasil, Colômbia, Canadá, Curdistão, Espanha, França, Grécia, Itália, Portugal e Perú com várias organizações/coletivos/redes feministas, antipatriarcais, anticapitalistas e socialistas, e sindicatos discutindo o movimento feminista, as consequências da pandemia e que 8 de março podemos criar. Estivemos presentes enquanto Semear  Futuro e foi um prazer participar desta atividade! Saudamos todas as organizações e pessoas que estiveram presentes, os temas levantados e os acordos pautados. Consideramos fundamental desenvolver laços internacionais de resistência e de luta, que permitam que a solidariedade floresça e a luta cresça.

A Plataforma Transfronteiriça é um espaço de organização, comunicação e encontro onde diferentes mulheres e dissidentes1 podem pensar juntas sobre como desenvolver uma visão comum, como apoiar reivindicações capazes de serem instrumentos de emancipação e como construir as condições para a possibilidade de uma greve social transnacional. A greve é colocada como uma ferramenta importante pela luta dos direitos das mulheres e dissidentes.

A luta feminista não é única ou exclusiva a quem se identifica como mulher, e não se considera o feminismo algo homogéneo mas sim como multicultural e plurinacional.

A assembleia teve duas questões principais em discussão:

  1. Como a crise pandémica está afetando as condições de vida das mulheres e dissidentes? Como reagimos coletivamente para confrontá-lo e continuar praticando a prática feminista?
  2. Que horizontes políticos feministas transfronteiriços podemos construir na véspera da greve dos 8M?

As análises feitas pelas companheiras sobre as consequências da pandemia para as condições de vida da mulher são similares independentemente da localização geográfica: São as mulheres racializadas, LGBT, os explorados e os oprimidos quem está a ser mais afetado pela pandemia.

A precarização do trabalho tem aumentado, os despedimentos e layoffs afetam maioritariamente mulheres e ainda assim continuam a ser mulheres que estão na linha da frente no combate à pandemia, mantendo o trabalho de cuidado e reprodução social, organizando formas de apoio para garantir a manutenção das suas famílias e da sua comunidade através de alimentação, higiene e cuidados básicos. O cuidado humano, social e territorial tem sido uma das grandes lutas no espaço latino e das companheiras indígenas que seguem nas suas resistências contra o extrativismo das terras, e pelo apoio/direito/investimento às medicinas ancestrais onde a medicina ocidental não chega, considerando que os sistemas nacionais de saúde falharam (ainda que não por responsabilidade das trabalhadoras) na resposta à pandemia. Falha também na manutenção dos direitos à saúde ginecológica das mulheres: acesso ao aborto, a medicação anticoncetivo, consultas de planeamento familiar, deixam de existir pela falta de recursos humanos e logísticos (exauridos na resposta à pandemia). Ainda que exista uma grande vitória com a legalização do aborto na Argentina, ela acontece numa perspetiva meramente legalista. Aborto: Legal, Livre e Seguro significa que temos que combater o preconceito social: puxando a luta de consciencialização e educação pública; educação sexual e cívica nas escolas públicas, etc. Significa também que a luta é por investimento nos serviços de saúde para que o acesso ao aborto seja gratuito e sem burocracias.  

Existiu um consenso absoluto em todas as intervenções sobre o escalar da violência machista em contexto doméstico, causado pelo isolamento e confinamento das vítimas com os seus agressores no mesmo espaço, sem possibilidade ou formas de sair desse ambiente. Neste sentido, realçamos não só a luta das mulheres no Curdistão e a campanha que visa consagrar que o femicídio, culminação máxima da violência machista contra a mulher, seja crime contra a humanidade mas também a situação de violência vivida na Argentina, onde já morreram 11 mulheres e existe uma crise de desaparecimentos, associada não só à violência machista mas também à repressão estatal e policial.

O crescimento da extrema-direita em diversos países também foi discutido durante a assembleia, identificado com um problema grave que necessita de uma resposta internacional, feminista e antirracista. Sabemos que os alvos preferidos do neofascismo são os setores oprimidos – somos as primeiras a sofrer as consequências dos discursos de ódio, das políticas reacionárias e das campanhas de desinformação.

Em suma, concordamos que a pandemia veio agravar ou criar crises de habitação, pobreza, precarização laboral, aumento da violência doméstica, repressão policial e social, agudização de racismo e xenofobia institucional que só será combatido com a união internacional das lutas, com vista não a voltar ao “normal” mas sim acabar com um sistema capitalista que se alimenta destas formas de opressão e exploração para sobreviver. O caráter anticapitalista, antipatriarcal e revolucionário é basilar nas soluções apresentadas.

Os temas, campanhas ou pilares de ação para esta luta assentam sempre num caráter interseccional de lutas, é através da organização e movimentação das camadas mais pobres, mulheres migrantes precarizadas e negras que se consegue alterar o sistema que rege a sociedade atual. Abordar a centralidade e essencialidade dessas camadas no cuidado dentro e fora da esfera familiar que mantém o sistema a funcionar e movimentá-las no espaço público e virtual é uma das formas de pensar o 8M em termos de pandemia. Em termos práticos isso traduz-se na criação de posters e vídeos; na renomeação de ruas e praças, na denúncia da violência contra as mulheres e o assassinato de duas crianças no Paraguai, nas greves laborais (por exemplo com paralisação do teletrabalho), na ocupação do espaço público onde seja seguro e a ocupação do espaço virtual internacionalmente.

O 8 de Março 2021 será atípico pela situação pandémica, mas traz também oportunidades de luta conjunta. Queremos saudar este tipo de redes e iniciativas, que procurar unificar e fortalecer as lutas feministas a nível internacional. Sabemos que este momento exige de nós unidade, para que não sejamos nós a pagar as consequências desta crise, para que não sejam sempre as mesmas a carregar o peso das falhas sistémicas. Para travar o crescimento da extrema-direita. Para podermos desenhar outros caminhos e abrir outros horizontes, precisamos de todas, todos e todes.

Existe uma nova reunião agendada para 20/02/2020 com vista a estabelecer tarefas e ideias para o 8M.

1 Dissidentes refere-se a outras camadas sociais exploradas e oprimidas como identidades sexuais diversas, pessoas racializadas, emigrantes, etc.

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