Salvemos da miséria os trabalhadores da restauração

A Concentração Nacional de Protesto dos trabalhadores dos hotéis, restaurantes, cafés, pastelarias e similares, representados pela CGTP, que irá ter lugar dia 10 em Lisboa, é um óptimo sinal. A sua força será um bom barómetro para avaliar o estado de espírito de quem alimenta Portugal todos os dias, e de quem “deu à luz” o milagre da recuperação económica do turismo: os trabalhadores. É urgente que estes se façam representar a si próprios, através das suas organizações, num momento em que o foco tem estado na greve de fome dos empresários seus patrões em frente à Assembleia da República, do movimento “a pão e água”.

A tendência em todas as pequenas empresas, não apenas na restauração, é que haja uma (aparente) maior comunhão de interesses entre os trabalhadores e os patrões, mais negociação em vez de conflito, mais proximidade social entre assalariados e proprietários que, muitas vezes, também trabalham. Em alturas de crise e na ausência de respostas que convençam os trabalhadores de que há alternativas a ter que escolher entre o desemprego e a miséria que se conhece do trabalho na restauração essa tendência tende a agravar-se.

É verdade que quem está a sofrer, não são os protagonistas da greve de fome, os “Ljubomir’s”. Estes são uma minoria: há muitos mais, milhares e milhares, de pequenos proprietários, de empresas familiares, que já fecharam e estão hoje desempregados, ou para lá caminham. Mas o protesto destes chefes-empresários poderia ser “melhor que nada” se Ljubomir falasse por todos, “pequenos e grandes”, ainda que este seja “grandinho”. Mas não fala. As redes sociais não perdoaram e logo apareceram as fotos dos empresários em greve de fome de Ferrari e Lamborghini. É verdade que um movimento, não é só a imagem da sua direcção  – que o digam os corajosos motoristas de matérias perigosas e o seu oportunista advogado que também andava de Maserati. O que conta é a política, não a imagem. Por isso, foquemo-nos no que dizem estes “representantes” e na política que propõem.

Há muito que Ljubomir é um representante privilegiado da ideia de que o assédio laboral é parte essencial do trabalho em restauração. Defende há muito que é preciso esmifrar os trabalhadores, mesmo que seja a troco dum salário de miséria e um horário de trabalho interminável. Mal começou a greve de fome disse logo ao que vinha, criticando os funcionários públicos. É uma ideia típica da pequena burguesia e que cada vez ganha mais força: tudo o que é do Estado é uma chulice, desde os Deputados aos varredores de ruas e auxiliares da saúde, ninguém faz nada, e os impostos são um roubo, e o que põe pão na mesa dos funcionários públicos são “as forças vivas” da sociedade: os empresários, que investem, e “criam emprego”. Mais que os figurões, o que importa é o programa: o de Ljubomir e os seus pretensos grevistas de fome é atacar os funcionários públicos – professores, médios, enfermeiros – e pedir dinheiro ao Estado…

Um programa dos trabalhadores/as pela restauração, emprego e salários

Não somos indiferentes ao desaparecimento de tantos milhares de postos de trabalho. Mas é essencial que os trabalhadores entrem em cena com um programa próprio. As reivindicações dos movimentos dos empresários, de isenção do IVA, isenção de TSU, e dinheiro a fundo perdido, são justificadas com uma pretensa manutenção dos postos de trabalho, mas não o garantem. Todo o trabalhador sabe que para ter trabalho é preciso a empresa estar aberta. Mas os últimos anos de “bonança” do turismo demonstraram também que não foi por facturarem mais que houve mais trabalhadores ou menos carga de trabalho nas grandes empresas. Nunca se lucrou tanto por tão pouco salário como nos últimos anos nas grandes cidades, nos cruzeiros do Douro, no Algarve e etc., com as leis laborais ainda intactas desde o tempo da troika que tudo permitem – e nem estas a maioria dos patrões cumpre! Acresce que, sobretudo nos últimos anos, o crescimento do sector tem sido garantido por mulheres, imigrantes, pessoas racializadas e LGBTI+, que moram nas periferias com poucas condições de transporte e habitação.

Já se perderam muitos postos de trabalho. Quer pela diminuição do fluxo de turistas estrangeiros, quer pelas medidas de restrição à actividade dos estabelecimentos, quer pela perda de rendimentos da generalidade da população. Em rigor, os pequenos restaurantes que servem almoços a 6€ a diária (que é o que os salários em Portugal permitem, e mal) que servem muitos dos trabalhadores das cidades, só eram viáveis com uma sobre-carga incrível de trabalho, produtos importados mais baratos mas com um grande custo ambiental, com alguma fuga aos impostos, e com os próprios proprietários e família a não se poderem dar ao luxo de não trabalhar também. É compreensível que quem está farto de trabalhar muito por um salário de miséria, queira abrir uma casa e pelo menos deixar de ser mandado por outros. Mas isso só é viável à custa de muita exploração, ainda que acompanhada de trabalho dos próprios. Pelo que a solução para esta crise da restauração, deve ser, por um lado, feita de medidas emergenciais que apoiem os pequenos negócios. Mas também por políticas de fundo que os ajudem a reconverter-se de forma sustentável, respeitando quem trabalha no sector.

Achamos importante que se lute para manter as empresas que são viáveis. Mas é inegável que o sector vivia numa bolha especulativa dependente do aumento cada vez maior do turismo, e que isso não vai voltar tão depressa. A ser gasto dinheiro do Estado, este deve ser pago directamente aos indivíduos, não às empresas. Nenhum trabalhador, nem nenhum proprietário que não tenha capital acumulado (que é o que são os Ferraris dos chef’s super-estrelas, anos de “trabalho” de outrém amealhado), deve ficar sem apoio. Não se pode entregar dinheiro aos empresários para que estes depois decidam se despedem ou não: os apoios devem garantir os postos de trabalho. Por mais que oiçamos o quanto custa a alguns empresários com mais coração despedir um trabalhador, não esqueçamos que custa mais, muito mais, ser despedido, com filhos para criar, num país onde a precariedade é regra e tanta gente está fora dos critérios para receber subsídio de desemprego. Rechacemos a ideia de que “se soubesses quanto custa mandar, escolhias toda a vida obedecer”, que deixou raízes profundas em 48 anos de ditadura.

As reivindicações do protesto de dia 10 da CGTP apontam no sentido correcto: apoiar os trabalhadores diretamente, e também contra as restrições dos horários de funcionamento. Mas o futuro avizinha-se difícil, especialmente num dos sectores mais precários do país, e com as menores taxas de sindicalização. É muito importante a presença dos sindicatos da CGTP nas grandes empresas, e alguns grandes hotéis, mas igualmente que cheguem à maioria dos restaurantes e similares. Muitos podem ousar fazer avaliações psicológicas sobre um determinado sector do proletariado, se uns lutam mais ou menos que outros, mas a verdade é que esta é uma realidade que a maioria dos sindicatos também nunca teve política para inverter.  Os sindicatos da restauração esperam que os precários venham até eles, em vez do contrário.

O exemplo mais recente da Cervejaria Galiza demonstra que só apontando para longe se evita andar para trás, quanto mais ficar parado. As empresas que precisam de apoio devem abrir as suas contas aos funcionários e ao Estado – quem não deve, não teme, e os trabalhadores podem salvar-se a si próprios. Mas este foi também um exemplo de como apesar da formidável união, capacidade de auto-gestão e organização dos trabalhadores, e do apoio político da esquerda, a Cervejaria Galiza, isolada economicamente, fechou na mesma. Não porque a luta dos seus trabalhadores não foi justa e o seu caminho correcto, mas porque além da luta heroica dentre de cada empresa, é preciso exigir políticas públicas.

É preciso um verdadeiro programa de apoio mas também de reconversão do sector, apenas possível se apoiado pelo Estado e pela banca pública. Reafirmamos: “A ausência de procura pode ser combatida transformando a rede de restaurantes, que cobre todo o país, num serviço público: através das Juntas de Freguesia e da Segurança Social, podem ser sinalizados todos os cidadãos e cidadãs em necessidades, que poderiam beneficiar de refeições subsidiadas, a preço reduzidos. (…) Restaurantes de luxo deveriam converter-se para poder ser apoiados: a prioridade deve ser a alimentação acessível.” Nestes fins de semana prolongados de Dezembro estamos a ver o quanto importante seria existir uma alternativa pública às multinacionais de entrega de comida como a UberEats e a Glovo, que são o cúmulo da precariedade, pagam quantias irrisórias de impostos, e cobram taxas abutres aos próprios restaurantes. Há muito dinheiro, e são urgentes impostos especiais sobre as grandes fortunas, sobre os grandes grupos de distribuição de comida, dos super-mercados (que nem os impostos normais querem pagar cá), como começa a ser proposto na Argentina e não só.

Nesta crise a sociedade não se pode dar ao luxo de ter mão-de-obra experiente parada,e equipamentos e instalações desmanteladas, com tanta coisa para fazer e tanta boca para alimentar. Mas essa destruição de capitais, ou seja, de anos de trabalho de muita gente, é o que nos espera tentando resolver a crise sem tomar medidas anti-capitalistas. Doutra forma a tendência será que os grandes grupos, com capacidade de mudança para a nova realidade, substituirão os pequenos negócios 7.

Reafirmamos:

1) é preciso garantir os postos de trabalho no sector;
2) a manutenção de um sector intermédio da restauração é mais positiva que o monopólio deste mercado pelos grandes consórcios;
3) é portanto justo o apoio financeiro do Estado
, sob algumas condições;
4) Estas devem passar por manter empregos e respeitar a lei laboral;
5) por transparência nas contas de quem pede apoios;
6) e pela disponibilidade em prestar um serviço público, nomeadamente no apoio alimentar à população carenciada e trabalhadores pobres;

Todo o apoio à luta dos trabalhadores/as da restauração, hotelaria e similares! Quem acumulou nos últimos anos, que pague agora a crise! Nenhum direito a menos, nenhum posto de trabalho a menos!

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