Continuar com força, não abandonar o diálogo entre os vários sectores em luta

Foi publicado no portal do GOV português no dia 5 de Novembro de 2020 que nesse mesmo dia entraria em funcionamento “o primeiro espaço de atendimento às vítimas de violência doméstica e/ou de práticas tradicionais nefastas, no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) de Lisboa.” Não faltam más notícias pelo mundo, desde a pandemia, passando pela tensão da possibilidade da reeleição do fascista Trump para mais 4 anos de presidência dos EUA e o reforço do Chega nos Açores. Mas ainda nos sobram boas notícias em Portugal. A primeira é a crescente força da candidatura de uma mulher feminista, Marisa Matias, que defende com unhas e dentes do SNS e que faz parte de um partido carinhosamente apelidado de “Sindicato dos Precários” por Pacheco Pereira por ter algum trabalho notável sobre precariedade laboral. Temos também esse pronunciamento do governo português que citado acima. Não haja dúvidas que tanto a eleição das três deputadas negras, bem como a criação deste espaço são vitórias diretas da organização dos sectores de mulheres trabalhadoras e dos negros, negras, ciganos, ciganas e migrantes. Este avanço, ainda que pareça pouco e ainda que seja mais que necessário uma fiscalização assídua para garantir que não passe de mais um gabinete ou que cumpra um papel de fomentar xenofobia e racismo com exposição gratuita ou transformando o debate sobre práticas culturais em algo como “europeus bons vs outros maus”,  e que cumpra a sua função de proteção e garantia de condições de vida para mulheres migrantes violentadas, são vitórias concretas e mostram que a nossa organização pode surtir resultados. Não haja dúvidas que está tudo diretamente relacionado. Devemos continuar organizadas e nas ruas com objetivos delineados e consciência que nada está definido. Ainda que ganhe o Trump ou que haja maior crescimento da extrema-direita portuguesa, estamos no caminho correto e devemos continuar.

Lígia Kellermann, na Manisfestação de 06 de Julho, Resgatar o Futuro, não o Lucro © Hugo David 2020

Tanto a eleição das deputadas negras, duas delas com programas antirracistas, quanto o anúncio deste gabinete trazem uma novidade: a presença de mulheres negras, ciganas e migrantes como sujeitos centrais da atividade política e o movimento feminista deve  não só aprender como saber que não há perspetiva de resolução dos vários problemas endémicos de género e do capitalismo sem trabalho conjunto. Por mais que eu reivindique a necessidade e a vitória das Greves Internacionais Feministas que tem existido em Portugal desde 2017, estas não traduziram em propostas os anseios das camadas de mulheres negras, ciganas ou migrantes. É preciso romper com a ideia de que as feministas brancas precisam ir buscar ou convencer as mulheres negras, ciganas e migrantes porque estas já estão convencidas. Há organizações de mulheres negras, migrantes e ciganas com propostas elaboradas e atividade contínua. Em boa verdade, o que precisamos é de uma auto-crítica do movimento feminista branco no sentido de reconhecerem não só teoricamente que ser mulher não é sempre uma e a mesma coisa. É preciso debater a insistência das feministas brancas em querer resolver tudo em prisão: olhem para as cadeias portuguesas, conseguem ver as cores? É necessário compreender que as necessidades são distintas e que trabalhar em conjunto por uma causa semelhante / igual não é abdicar de avanço para nenhum dos lados. Estamos do mesmo lado da barricada, ainda que a barricada seja muito diversa.

Em suma, compreendo que a melhor e mais eficaz maneira de começarmos a construir a resposta para os vários cenários que se podem revelar é levar a sério o “ninguém larga a mão de ninguém”, nem por tática nem por racismo.  A próxima Greve Internacional feminista terá que ser negra, cigana e migrante.

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