Surto de Covid em Call-Center porque a CUF não cumpre a lei

O Sindicato de Trabalhadores dos Call-Centers ( STCC – Tás Logado? ) tem vindo a denunciar o não cumprimento da obrigatoriedade do Teletrabalho no call-center da CUF, uma ilegalidade que já fez com um surto de Covid-19 surgisse neste local.

Isso é tanto mais escandaloso por se tratar de um grande grupo de saúde privada. No caso, um grupo que ainda este mês assinou um protocolo com o Governo que lhe garante somas astronómicas de dinheiro público para fazer aquilo que seria a sua obrigação: ajudar a combater a pandemia.

Estranhamente (ou não!) os meios de comunicação tradicionais tem ignorado este caso. Entrevistámos, a este propósito, entrevista José Abrantes, membro do Semear o Futuro e Dirigente do STCC.

Semear o Futuro: Pelas denúncias do STCC nas Redes Sociais, soubemos do surto de Covid-19 no Call-Center da CUF. Em poucas palavras, o que se está a passar neste Call-Center? 

José Abrantes (JA): A situação refere-se especificamente ao call center do grupo CUF em Moscavide, que tem actualmente um nº que ronda as 200 trabalhadoras/es, e mantém à data de hoje, pelo menos 80 deles/as em trabalho presencial. Note-se, que falamos dum call center situado num dos concelhos mais atingidos pela pandemia (Loures), incluído na lista actual de concelhos considerados de risco “muito elevado a extremamente elevado”. Ou seja, está abrangido pelo actual estado de emergência que obriga a que nos concelhos em causa, o teletrabalho seja obrigatório como medida de combate/prevenção à propagação do vírus COVID-19 nas funções compatíveis. O que é manifestamente o caso, uma vez que todas as funções em call center são compatíveis com o teletrabalho. Além disso, Loures/Moscavide está abrangido pelas medidas decorrentes pelo actual estado de emergência desde dia 4 deste mês, data em que entrou em vigor, ou seja, a CUF e os seus responsáveis já estão em incumprimento com a norma de obrigatoriedade de teletrabalho há quase 3 semanas. 

Sublinhamos também que os 80 trabalhadores/as que ali se mantém em trabalho presencial, já estiveram em teletrabalho aquando do 1º estado de emergência em Março/Maio deste ano, pelo que a empresa mente quando refere que não tem condições para ter todo o call center de Moscavide nesse regime, até porque muitos/as dos trabalhadores/as que neste momento continuam em teletrabalho desde dessa altura, estão a fazê-lo com os seus equipamentos pessoais. Mais, os responsáveis do grupo CUF mentiram descaradamente, agora aos órgãos de comunicação social, quando disseram numa 1ª resposta aos mesmos, desconhecerem a situação de Moscavide (isto na manhã de 23 novembro) e à tarde no mesmo dia, já diziam ter o call center em regime de “trabalho rotativo, entre teletrabalho e trabalho presencial”. O que sublinhamos, é mentira e uma mentira descarada.  

Semear o Futuro: Pelo que entendemos, neste caso a DGS ainda não respondeu ao Sindicato. Sendo provável grande parte da propagação do vírus se dê nos locais de trabalho, dirias que DGS e ACT têm estado à altura? 

JA: De facto, em Julho denunciamos um surto neste mesmo call center, quando pelo menos 4 trabalhadores do call center da CUF em Moscavide testaram positivo ao COVID-19, e até hoje não recebemos qualquer resposta concreta da DGS. Isto apesar das nossas insistências e mesmo tendo o caso sido tornado público. Pelo que respondendo à questão concreta, somos da opinião que tanto DGS como a própria ACT não têm estado à altura. 

Semear o Futuro: Porque dirias que isso acontece? 

JA: Existirão várias razões para tal acontecer, certamente. A falta de meios principalmente humanos, com que a ACT se debate desde há muito são agora, no actual contexto que vivemos ainda mais visíveis e tornam um trabalho que já era difícil devido a esse facto, ainda mais difícil, até porque a entidade a quem o governo delegou a responsabilidade de fiscalizar as normas de reorganização do trabalho decorrentes do actual estado de emergência, nomeadamente o cumprimento da obrigatoriedade de teletrabalho nas funções compativeis, foi exactamente a ACT. O cumprimento destas normas tem, na esmagadora maioria dos casos, de ser confirmado fisicamente nos próprios locais de trabalho. Penso que não estaremos muito longe da verdade se dissermos que será uma tarefa “hercúlea” um punhado de inspectores/as do ACT terem de confirmar todas as denúncias recebidas neste âmbito, a juntar a todas outras, ditas “normais” que continuam a acontecer a nível de assédio laboral, não cumprimento das normas de segurança, saúde e higiene no trabalho, etc. Agora, e exactamente devido à pandemia, ainda terão mais. Obviamente e com as devidas diferenças a nível de competências, a falta de meios humanos aplica-se de igual modo à DGS, de forma a que esta possa na prática, confirmar em todos os locais de trabalho o cumprimento dos planos de contingência a que as empresas estão obrigadas. 

Semear o Futuro: Que medidas poderia o Governo tomar para travar estes abusos? 

JA: Primeiro, o governo quando decreta um estado de emergência que ainda para mais tem sido e poderá ser ainda mais prolongado no tempo, não pode de forma alguma deixar normas ao critério subjectivo, nomeadamente das empresas/entidades patronais. Por exemplo, em relação ao teletrabalho especificamente podemos referir várias que, ou não ficaram devidamente esclarecidas numa primeira fase, ou que na maioria dos casos, continuam por esclarecer de forma cabal na “letra de lei”. 

É claramente o sucedido com o subsidio de refeição, em que só passadas várias semanas e devido a inúmeras denúncias de abusos por parte das empresas, é que ficou esclarecido devidamente que o mesmo teria de ser pago na integra a todos os trabalhadores/as que transitaram para teletrabalho devido à pandemia. A este exemplo, podemos referir outros que continuam por esclarecer cabalmente como as despesas inerentes ao teletrabalho. A lei não é clara na obrigatoriedade dessas despesas terem de ser pagas pelas empresas, embora diga que os “meios para a prestação de trabalho e respectivas despesas são da responsabilidade do empregador”. Mas a forma que está escrita dá azo a interpretações diferentes consoante o “interesse” de cada um. E logicamente as empresas têm poder (leia-se, dinheiro) suficiente para contratarem os melhores juristas em lei laboral para encontrar “falhas” na lei consoante esses mesmos interesses. É fácil percebermos que não é do “interesse” das empresas pagarem os custos acrescidos que os/as trabalhadores/as em teletrabalho têm com energia, net, água ou alimentação inclusivé. 

Ou em casos como este da CUF, em que o actual estado de emergência deixa ao critério das empresas considerarem se têm ou não as condições para teletrabalho (o que é contraditório com a obrigatoriedade em funções compatíveis que o próprio estado de emergência decreta). Tornam-se assim, “juízes em causa própria”. Ora este tipo de situação gera que empresas com o tamanho e poderio financeiro da CUF entre outras, possam tentar desmoralizar e mentir aos trabalhadores dizendo que apesar da obrigatoriedade, não têm “condições para todos”. 

Para travar estes abusos não basta o Governo dizer que a competência de inspeção é da ACT, especialmente quando a mesma não tem os meios necessários e que urgem reforçar de forma considerável. Afirmamos que tal reforço é importante e sublinhamos a sua urgência, mas ainda assim, seria por si só, insuficiente.  

Para combater estes abusos é necessário que a lei laboral seja alterada de facto, e que as empresas incumpridoras sejam condenadas não apenas a pagar multas por contra ordenações “leves, graves ou muito graves”. É necessário que essas multas sejam definidas na lei previamente, como por exemplo, multas que estejam ligadas à percentagem de lucros anuais das empresas, nomeadamente dos grandes grupos. Multas que descontem directamente dos “dividendos” dos accionistas dessas grandes empresas e que esses valores sirvam não apenas como dissuasores, e além de serem em parte, canalizados como forma de reparação aos/às trabalhadoras afectadas, sejam igualmente canalizados para o reforço dos meios de fiscalização da ACT.  

Que sejam canalizados para a criação de mecanismos que regulem as relações laborais em todas as vertentes, de igualdade salarial, de prevenção ao assédio laboral, prevenção de acidentes de trabalho, garantia de formação profissional paga pelas empresas, etc. E seria de extrema importância que os responsáveis/administradores das empresas reincidentes no incumprimento, fossem responsabilizados individualmente quando reiteradamente adoptam comportamentos fora da lei e que atentam aos direitos dos e das trabalhadoras. 

Lá está, não podemos esperar que sejam as “instituições” ou o governo a fazer algo pela classe trabalhadora se a isso não forem obrigados. Temos de alargar a nossa solidariedade e a nossa acção reivindicativa enquanto classe trabalhadora, pois só assim podemos obrigar o(s) governo(s) a legislar a favor de nós, de quem trabalha. Só unidos podemos vencer. 

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