“Estima-se que aproximadamente 35% das mulheres em todo o mundo sofreram assédio sexual durante a vida. Na maioria dos países com dados disponíveis sobre violações, menos de 40% das mulheres que sofrem violência sexual procuram ajuda. Menos de 10% procuram assistência das forças de segurança”.
Na passada terça-feira foram liberados vídeos do processo de julgamento de André de Camargo Aranha, que violou Mariana Ferrer em 2018, no Brasil. Desde logo surgiu uma revolta gigante nas redes sociais e uma série de protestos foram prontamente marcados para denunciar a decisão do juiz. O desfecho do caso inocenta André de Camargo Aranha por não ter cometido a violação com intenção de violar, ou seja, que não tinha consciência do não consentimento de Mariana Ferrer.
Apesar das imensas provas que determinam a ocorrência de violação, Aranha foi desculpado pela sua “violação culposa” e Mariana foi duramente repreendida pelo seu “comportamento”, pelas suas fotos nas redes sociais e, no final, por existir enquanto mulher. O assédio moral a que Mariana foi exposta durante o julgamento revolta-nos profundamente e é mais uma instância que demonstra que as mulheres seguem sendo culpadas pelos actos violentos e bárbaros a que estão expostas todos os dias.
Muitos são os exemplos em que a justiça não protege nos protege, sujeitando-nos, no processo de denúncia e julgamento, a outros tipos de violência. Isto contribui para que muitas de nós fiquem caladas, nunca denunciando os crimes. Desde “não podemos arruinar a vida a um bom rapaz” a “adultério é um crime que justifica violência doméstica”, “o que fizeste para o chatear?” os juízes, advogados, forças de segurança demonstram, no seu âmago, que não existem mecanismos para salvaguarda e proteger as mulheres e as LGBTs. No caso das mulheres racializadas, os problemas agravam-se devido ao racismo, que permite que a policia brutalize, a justiça culpabilize e o Estado invisibilize estas mulheres, colocando-as numa posição de inferioridade gritante.
O tratamento que é dado a André de Camargo Aranha, empresário, de classe média, branco também demonstra o quão enraizado está o machismo e o racismo. Quantos jovens negros a periferia no Brasil (ou dos EUA, por exemplos) são condenados (ou mortos) pelo simples facto de existirem, enquanto Aranha é tratado como se fosse ele uma vítima neste processo.
As nossas ondas de revolta sacodem regularmente o globo e re-lembramos os ascensos na América Latina, na Índia, em Portugal onde afirmamos numa só voz que “a culpa não era minha, nem onde estava, nem como me vestia”.
A nossa raiva cresce com cada agressão, com cada assassinato e com cada sentença da justiça que não nos protege. Enquanto formos alvo de todas estas violências, a nossa resposta será ruidosa, nas ruas, construindo a solidariedade internacional e gritando por todas, as que não podem gritar, as que já foram mortas, por nós e pelas que virão.
A culpa não é nossa. Nunca foi e nunca será. Não existe violação culposa.