Um Partido dirigido por Fascistas e para Fascistas

Esta é a continuação do artigo “O Chega é um Partido Fascista”, publicado no dia 19 de setembro

André Ventura é a figura de proa do Chega, antigo seminarista, militante do PSD durante quase duas décadas. A sua adesão às ideias da extrema-direita europeia não é de agora, tendo já há alguns anos revelado a sua simpatia pela proposta de expulsão dos muçulmanos da Europa. Num país como Portugal, com uma comunidade muçulmana reduzida, a islamofobia, tão estratégica para os fascistas europeus, não servia para alavancar um projecto dessa natureza. Ventura voltou-se então contra os ciganos, os imigrantes e portugueses negros e o movimento anti-racismo. Revelou-se na política nacional com os seus ataques aos ciganos na campanha para a Câmara Municipal de Loures, em que era candidato por uma coligação PSD/CDS. Em virtude das suas diatribes racistas o CDS retirou-lhe o apoio mas mesmo assim Ventura foi eleito vereador. Abandonou pouco depois o PSD para fundar o Chega. As suas provocações racistas e os seus flirts com o fascismo (como por exemplo a sua recuperação das virtudes do campo de concentração do Tarrafal) são decalcados das estratégias discursivas da FN, da Liga ou da AfD.

O ideólogo do Chega é Diogo Pacheco de Amorim, vice-presidente do partido, presença permanente ao lado de Ventura e anunciado substituto deste na Assembleia da República. Nascido em 1949 no seio de uma família com fortes ligações ao Estado Novo, é um veterano do combate político e ideológico da extrema-direita portuguesa.

Em 1975 refugiou-se em Madrid (ainda sob o domínio da ditadura franquista) para se juntar ao grupo contrarrevolucionário reunido em torno de António de Spínola. À época, a principal preocupação dos fascistas e da extrema-direita era a preservação do império colonial português. Foi em defesa desse objectivo que o general Spinola tentou derrotar a revolução, primeiro pela mobilização política (a falhada manifestação da Maioria Silenciosa em 28 de Setembro de 1974) e depois pela via do golpe militar (o também falhado golpe de 11 de Março de 1975). Em Madrid, rodeado por um conjunto de militantes de extrema-direita, Spínola criou o MDLP (Movimento Democrático para a Libertação de Portugal) com o objectivo de esmagar a vaga revolucionária:

“É urgente prepararmo-nos para desencadearmos por todo o Portugal uma CRUZADA BRANCA contra a opressão vermelha, contra o comunismo estrangeiro, usurpador, opressor e ateu!”.

O recurso ao imaginário da contra-revolução russa clarifica os meios necessários para atingir os fins: a guerra civil e o esmagamento da revolução pela força das armas. O MDLP destilava ódio a tudo o que fosse democracia e iniciativa popular, o “cancro que se implantou no corpo da nossa Pátria”:

“Todos nós Portugueses, sabemos o que é esse cancro: são as organizações comunistas e os militares comunistas de Lisboa. E são as ramificações e canais que estendem pelo país: os seus núcleos, as suas sedes, as suas comissões, os seus centros de trabalho, as “campanhas de dinamização”.

Pacheco de Amorim fez parte do sector civil do MDLP2. O sector militar dedicava-se à dinamização da cruzada branca: assalto às sedes dos partidos de esquerda, atentados bombistas e perseguição de militantes.3

Com o fim do processo revolucionário, DPA regressa a Portugal. O cancro não estava vencido, mas parecia pelo menos controlado. A questão agora era tentar recuperar as ideias de direita num país totalmente toldado pela ideologia marxista. Pragmático, DPA envolve-se na luta ideológica, com um grupo de intelectuais que já vinham seguindo a Nouvelle Droite francesa, e divulgam os trabalhos de Alain de Benoist, reconhecido como a principal referência intelectual do fascismo europeu contemporâneo, como é exemplo a Frente Nacional (actualmente União Nacional) de Marine Le Pen, em França. DPA leva a cabo a sua propaganda doutrinária nas páginas d’O Diabo e no campo da política, na tentativa de influenciar os rumos do CDS. Serviu como adjunto de Ribeiro e Castro e foi chefe de gabinete de Manuel Monteiro na Nova Democracia. A Nova Democracia falhou como projecto político e DPA descobriu no discurso racista e autoritário de André Ventura a oportunidade de relançar o projecto fascista. Recentemente, num breve ensaio em que expõe a sua perspectiva de uma Europa eternamente estática, assente na tríade “Grécia, Roma e Cristandade”, DPA revela as suas angústias:

“E ao respeito sem limites pela vida humana e pelo Outro, o contributo do Cristianismo, substitui-se a cultura da morte com a imposição do aborto, da eutanásia, a quase imposição da homossexualidade, da transsexualidade…”.

Num outro, DPA não só demonstra a sua adesão aos princípios do racismo cultural, como ainda brinda os leitores com a revelação dos planos diabólicos dos marxistas de Bruxelas:

“É esta destruição da nossa cultura europeia e das nossas raízes que está na ordem do dia. O apoio à invasão paulatina pelas hordas de muçulmanos com as suas mesquitas, as suas escravas veladas, o seu ódio ao Ocidente e às raízes cristãs do Ocidente, a sua recusa em integrar-se e, mais do que isso, a sua exigência de que sejamos nós a integrarmo-nos no seu modo de vida as incansáveis campanhas a favor da eutanásia, do aborto e de todas as estratégias pensáveis para reduzir a demografia ocidental têm todas as mesmas origens e a mesma justificação última ideológica. Tudo isto faz parte da agenda neo-marxista”1

Outra figura de relevo da direção do Chega é Luís Filipe Graça, presidente da mesa da convenção do Chega. O seu percurso político é ligado ao neo-nazismo. Como atesta o artigo da revista Sábado, Graça esteve ligado ao Movimento de Oposição Nacional e à Nova Ordem Social, duas organizações que representam outras tantas tentativas de afirmar o nazismo na política portuguesa pela parte de Mário Machado. Luis Filipe Graça manteve-se no seu cargo apesar das promessas de Ventura de que pessoas com um passado de ligação à extrema-direita violenta não poderiam ser dirigentes do Chega. As sanções contra os elementos nazis do Chega limitaram-se a figuras secundárias da hierarquia do partido como são exemplos o caso de Tiago Monteiro, conselheiro nacional do Chega e que aparentemente abandonou o partido por ter sido militante da Nova Ordem Social, ou de Nuno Cardoso que organizava o Chega na Covilhã mas tem o seu estatuto de militante suspenso, e supostamente sob análise, por ser membro da Resistência Nacional.

O Chega é portanto um partido que conta com fascistas e nazis entre os seus dirigentes nacionais. Nas suas bases e escalões intermédios a situação é mais difícil de avaliar, mas, por exemplo, Mário Machado fez um apelo aos membros das suas organizações para integrarem o Chega. É evidente que o Chega, com o discurso racista e reaccionário de André Ventura, se tornou um polo de atração para toda a extrema-direita.

Notas:

1.Estas citações provêm de um panfleto do MDLP que pode ser consultado online no arquivo Ephemera em https://i0.wp.com/ephemerajpp.com/wp-content/uploads/2020/07/IMG_6533.jpg?ssl=1

2. https://expresso.pt/politica/2019-12-15-Quem-e-o-ideologo-na-sombra-de-Andre-Ventura–Da-direita-armada-ao-programa-do-Chega

3. Riccardo Marchi, «As direitas radicais na transição democrática portuguesa (1974-1976)», Ler História [En ligne], 63 | 2012, mis en ligne le 09 avril 2015, consulté le06 septembre 2020. URL : http://journals.openedition.org/lerhistoria/366; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.366

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