O fascismo na Europa de hoje

Parte 4

Esta é a quarta e última parte do artigo de Mark L. Thomas sobre o fascismo europeu. Siga os links para ler as partes 1, 2 e 3.

Que tipo de antifascismo?

Nenhuma aliança com o centro liberal

Uma resposta ao crescimento da extrema-direita e do fascismo passa por apelar a uma aliança entre a esquerda e o centro neoliberal, como um pacto necessário com o “mal menor” contra um perigo maior. É assim que Paul Mason, um cronista de esquerda e apoiante de Jeremy Corbin, defende a necessidade de uma “nova estratégia” em que os socialistas “formam alianças tácticas com o centro”. Para Mason, o principal inimigo da justiça social deixou de ser a elite neoliberal para serem “pessoas que afogariam refugiados, que lançam difamações de pedofilia sobre os muçulmanos que… criminalizariam o aborto”.

Há três problemas com esta abordagem. Em primeiro lugar, é precisamente a elite neoliberal que está a afogar refugiados no Mediterrâneo e que tem levado a cabo uma campanha de islamofobia que serviu de base ao crescimento da extrema-direita. E tem-no feito ao mesmo tempo que comanda a reestruturação neoliberal da sociedade, criando enorme descontentamento e incerteza entre largos sectores da população. A aliança com o centro liberal só serve para que os fascistas e a extrema-direita identifiquem a esquerda com o sistema, apresentando-se falsamente como a única e real alternativa.

Em segundo lugar, a aliança com o centro neoliberal implica minimizar a importância das mobilizações de massas e procurar conter os fascistas por via das instituições vigentes, como o estado. Porém, o estado está profundamente estruturado em moldes racistas e vê quase sempre a esquerda como uma ameaça maior que os fascistas. Uma versão mais recente deste argumento vê na União Europeia um bastião contra o racismo virulento e o fascismo. Mas como já vimos acima, a União Europeia, por via da sua tóxica promoção do neoliberalismo, da austeridade e do racismo, é ela própria uma poderosa incubadora do racismo e do fascismo. Isto não significa que as pessoas que mantêm este tipo de ilusões acerca da UE, muitas vezes por medo da extrema-direita, não possam ter um papel central num movimento anti-fascista eficaz, mas esse movimento não pode ter por base essas ideias. No exemplo britânico, onde o trauma do brexit divide a esquerda e os trabalhadores, tem sido necessário argumentar – contra grupos de esquerda pró-UE como o Outra Europa é Possível [Another Europe is Possible] – que os movimentos anti-racista e anti-fascista não podem mobilizar com base no “Não ao Brexit”. Esta postura dividiria o movimento anti-fascista e permitiria que Tommy Robinson e o UKIP se apresentassem como os defensores dos 17 milhões de pessoas que votaram a favor do Brexit.

Em terceiro lugar, o centro liberal irá invariavelmente exigir que a esquerda abandone os seus combates contra o neoliberalismo e a austeridade, em nome da “unidade” contra a extrema-direita. Assim, enquanto anula qualquer oposição à sua esquerda, o centro liberal capitulará ao racismo na crença de que poderá consolidar o seu flanco direito contra os avanços da extrema-direita. A independência política face ao centro neoliberal é uma condição crucial para um combate anti-fascista eficaz.

Nenhuma cedência ao racismo

Para alguns sectores da esquerda pode ser tentador pensar que se pode conter o poder de atração dos racistas e dos fascistas através da acomodação às suas ideias – uma tentação que é amplificada em partidos que dão prioridade à acção parlamentar. Um importante exemplo contemporâneo é o movimento Aufstehen (Ergue-te), lançado por duas figuras destacadas do Die Linke [A Esquerda] na Alemanha, Sahra Wagenknecht e Oskar Lafontaine. Wagenknecht é co-presidente do grupo parlamentar do Die Linke e Lafontaine é um socialista veterano que abandonou o SPD para ajudar a fundar o Die Linke. Wagenknecht considera que o compromisso do Die Linke com a defesa de fronteiras abertas fez o partido perder votos e ser ultrapassado pela AfD e argumenta que “muitos encaram a liberdade de circulação e a imigração como a principal fonte da competição por empregos com baixos salários” e que “a crise dos refugiados provocou uma incerteza acrescida”.

Este tipo de argumentos é reforçado pela afirmação de que foi a chegada de um grande número de refugiados à Alemanha em 2015 que provocou o surgimento da AfD. Porém, como defende Christine Buchholz, deputada pela Die Linke e membro do grupo Marx21, o pressuposto de que existe uma ligação automática entre a fracção de migrantes numa população e o racismo é pura e simplesmente falso. Na Hungria, por exemplo, vive-se um ambiente de intenso racismo e islamofobia e no entanto o país não recebeu quase nenhuns refugiados em 2015 e tem uma população muçulmana diminuta. No polo oposto, a Grécia recebeu um grande número de refugiados em 2015 mas a Aurora Dourada [NT – o partido nazi grego] não conseguiu fazer avanços à custa da situação. A diferença pode ser explicada pelo facto de haver na Grécia um importante movimento anti-racista e anti-fascista, movimento esse que é praticamente inexistente na Hungria.

As cedências ao racismo servem apenas para legitimar a extrema direita, dando força à falsa narrativa que afirma que o problema são os migrantes, muçulmanos ou outras minorias raciais, o que por sua vez permite à extrema-direita reclamar que até os seus opositores concordam com esta ideia. Ao invés de afastar da extrema-direita sectores que a apoiam, as cedências ao racismo ajudam a consolidar esse apoio e permitem que esse tipo de ideias penetre mais amplamente em sectores do movimento e organizações dos trabalhadores.

Nenhuma oposição entre lutas económicas e anti-racistas

Tal como vimos anteriormente, é um erro assumir que o crescimento da extrema-direita se deve apenas a factores económicos e insistir que a esquerda se deve concentrar apenas em questões económicas e sociais em vez da luta anti-racista. É verdade que a reestruturação neoliberal da sociedade é uma das fontes do crescimento da extrema-direita e que níveis mais elevados de resistência colectiva podem criar uma base para combater o racismo. Porém, não há nenhum automatismo que faça com que mais luta económica leve ao enfraquecimento da extrema-direita. O racismo tem raízes profundas na nossa sociedade e as classes dominantes recorrerão a ele se forem confrontadas com oposição dos de baixo. Por isso, é também necessária uma campanha forte para atacar os argumentos racistas e as organizações fascistas, mesmo que nos situemos no terreno favorável de um nível mais intenso de luta de classes.

O caso de França oferece-nos o exemplo mais claro. Desde o início dos anos 90 que a França foi sacudida por vagas sucessivas de movimentos sociais militantes e no entanto, no mesmo período, a Frente Nacional viu a sua base de apoio crescer. A esquerda francesa não conseguiu construir uma campanha unitária como a que a Liga Anti-Nazi [Anti-Nazi League] criou na Grã-Bretanha no final dos anos 70 e que quebrou a Frente Nacional [Britânica] e posteriormente derrotou o Partido Nacionalista Britânico [British National Party] no início dos anos 90. Ou como a sucessora da Liga Anti-Nazi, Unir Contra o Fascismo [Unite Against Fascism], organizou no início dos anos 2000 e 2010 para derrotar o Partido Nacionalista Britânico nas eleições e a English Defense League nas ruas.

Houve um período em que este tipo de abordagem começou a ser adoptado em França. No final dos anos 90 a Frente Nacional passou por uma crise aguda que culminou numa cisão, em que Bruno Mégret, à época o número dois da FN depois de Jean-Marie Le Pen, se afastou e formou uma organização rival.

Houve dois factores que na segunda metade dos anos 90 alteraram a situação. Primeiro, as grandes greves da função pública de Novembro e Dezembro de 1995, transformaram a atmosfera política, marginalizando a FN no debate público e substituindo a desmoralização da década anterior por uma disposição generalizada para a solidariedade entre a classe trabalhadora. Segundo, esta disposição levou a uma vontade acrescida de desafiar a culpabilização dos imigrantes e alimentou o ressurgimento do anti-racismo, com campanhas mais militantes contra a Frente Nacional a serem levadas a cabo por organizações como Le Manifeste contre le Front National e Ras l’Front. Foi assim que o congresso da FN em Estrasburgo em 1997, assistiu a uma manifestação de 50 000 pessoas, a primeira vez que uma manifestação nacional contra a FN teve lugar e que também se começou a enfrentar a FN como uma organização fascista, com palavras de ordem como “F de fascista, N de nazi, abaixo a Frente Nacional”.

A Frente Nacional estava agora sujeita a um ataque sem precedentes:

As tendências contraditórias que constituíam a FN foram expostas e entraram em conflito…Le Pen realçou a necessidade de a FN se manter uma força anti-sistema, Mégret argumentou que as alianças com a direita tradicional permitiriam eliminar as maiores debilidades da FN. Esta discussão reflectiu parcialmente a busca simultânea pela respeitabilidade dentro da democracia liberal e o desejo de esmagar essa democracia… A organização tinha cerca de 1500 eleitos em meados dos anos 90… O sucesso eleitoral criou o potencial para a burocratização de uma larga camada dos quadros da organização e criou uma cultura gestionária às avessa com a atitude anti-sistema de grande parte dos membros… Mégret partilhava com Le Pen a mesma perspectiva, mas sabia que podia contar com o apoio dos quadros do partido que viam nele o dirigente que, com a garantia das alianças com a direita tradicional, oferecia maiores probabilidades de ganhos eleitorais a curto prazo… Da mesma forma, Le Pen ganhou o apoio dos activistas que desconfiavam do passado gaulista de Mégret e da ameaça de “parlamentarização” que este parecia representar. Estas tensões, ocultas durante a fase de crescimento, foram levadas até ao limite pela luta anti-racista.

Mégret foi expulso em final de 1998 e pouco depois o partido sofreu uma cisão, com o abandono de uma parte importante dos quadros. Este teria sido um importante ponto de inflexão em que a crise da Frente Nacional poderia ter sido aprofundada, mas o Manifeste contre le Front National, com ligações ao Partido Socialista Francês, deu por terminadas as mobilizações anti-racistas depois de concluir que a Frente tinha acabado. Le Pen conseguiu assim a folga necessária para recuperar e reconstruir o partido.

Construir uma frente única para barrar os nazis

A chave para a derrota dos fascistas está na criação de uma frente única de massas constituída por pessoas que não estão necessariamente de acordo sobre questões mais gerais. Não pode ser uma frente reduzida aos revolucionários, tem de procurar abarcar sectores mais amplos, especialmente entre aqueles que confiam nas organizações reformistas como sindicatos e partidos socialdemocratas. Esta abordagem inclui, sempre que possível, o envolvimento com as lideranças dessas organizações para tentar trabalhar com elas e trazê-las para o movimento. A base objectiva para que isto possa acontecer encontra-se na própria natureza do fascismo: é uma ameaça a todas as organizações da classe trabalhadora, revolucionárias ou reformistas.

Uma tarefa central passa por expôr e desmascarar o núcleo nazi escondido sob o manto da respeitabilidade. Isto passa por revelar o passado de membros e organizações proeminentes, e por expôr a sua mundividência para lá do que escolhem apresentar para consumo do público. Este desmascarar tem de ir para lá da propaganda, deve englobar tentativas activas de pôr em causa a “normalização” dos partidos fascistas, negando-lhes acesso ao espaço público, impedindo-os de realizar manifestações, conferências e desfiles ou de aparecerem na comunicação social, incluindo as redes sociais. Isto exige confrontar a ideia de que os fascistas têm direito à “liberdade de expressão”, independentemente de quão abjectas sejam as suas opiniões. Quanto mais os fascistas ocupam o espaço público, tanto maior é a confiança dos seus apoiantes para expressar abertamente opiniões racistas e tanto maior a sua capacidade de arrastar mais forças convencionais para uma adaptação às ideias fascistas.

Quanto mais sucesso tiverem os fascistas, tanta mais confiança terão para começar a desgastar a liberdade de expressão dos seus oponentes – através de ataques a reuniões da esquerda ou dos sindicatos, a piquetes de greve ou por tumultos racistas nas ruas – muito antes de atingir o seu objectivo último de esmagar toda a liberdade de expressão e manifestação. Por vezes, a negação do espaço público aos fascistas exige um confronto físico directo, como aconteceu em 1977 em Lewisham, na zona sul de Londres, quando uma aliança entre o Partido Socialista dos Trabalhadores [Socialist Workers Party] e a juventude negra do bairro dispersou um desfile da Frente Nacional; por vezes significa barrar o caminho aos seus desfiles ou ocupar os locais das suas concentrações impedindo-os de controlar as ruas, como foi feito pelas mobilizações da Unir Contra o Fascismo em Tower Hamlets (em 2011) e Walthamstow (em 2012), ambos em Londres, contra a English Defense League.

Este tipo de estratégia implica mobilizações de massas. A abordagem de muitos activistas influenciados pelo autonomismo ou pelo anarquismo tem passado muitas vezes pela acção directa de um grupo militante que se envolve no confronto físico com os fascistas independentemente da presença de grandes mobilizações. Uma tal abordagem reduz o anti-fascismo à acção de uma minoria decidida a assumir os riscos de uma confrontação física, sem qualquer estratégia para trazer consigo forças mais amplas. Na verdade, é uma abordagem que se pode combinar com um certo pessimismo que limita o anti-fascismo apenas aos que partilham uma perspectiva anti-capitalista, ou que considera que a massa dos trabalhadores brancos é racista.

Mesmo nos casos em que o movimento anti-fascista é iniciado por uma minoria radical, esta tem de tentar envolver forças mais amplas pela construção paciente de uma frente única. É isto que pode criar as bases para mobilizações e confrontações de massas que comecem a vedar as ruas aos fascistas e os afastem da arena pública. É também isto que pode começar a mostrar que os fascistas não são imparáveis e que os anti-racistas e os anti-fascistas não estão isolados, dando confiança ao movimento para criar raízes nos bairros e nos locais de trabalho. Ao ser empurrados de volta para o estatuto de párias e para o isolamento, a tensão entre a dualidade de objectivos dos fascistas pode degenerar em conflito aberto e destruir a sua organização.

Esta estratégia não pode ser simplesmente proclamada, ela tem de ser testada na prática. Quer a história recente quer exemplos contemporâneos demonstram que as frentes únicas são eficazes quando expõem os fascistas e confrontam a sua presença no espaço público, a par do desenvolvimento de uma luta mais ampla contra as ideias racistas.

Alemanha

A ascensão da AfD na Alemanha não decorreu sem oposição. No Verão passado [de 2018], uma vaga de mobilizações anti-racistas em solidariedade com os refugiados e contra a direita racista alimentou um pico de manifestações anti-AfD no Outono e no Inverno. A manifestação da AfD de Berlim em Maio juntou 5000 pessoas mas foi largamente ultrapassada pela contra-manifestação de 70 000.

As ondas de choque produzidas pelas mobilizações nazis em Chemnitz criaram um renovado sentido de urgência. Uma semana depois, também em Chemnitz, uma contra-manifestação impediu o desfile de Höcke e apoiantes. Dois dias mais tarde, um concerto anti-fascista juntou 65 000 pessoas na cidade. A 13 de Outubro, o apelo a uma manifestação contra a direita, subscrito por 500 organizações, com o slogan “Unteilbar” (Indivisíveis) juntou 250 000 pessoas em Berlim.

Isto por sua vez, gerou uma proliferação de protestos contra as manifestações e discursos dos políticos da AfD, com grupos como o Aufstehen Gegen Rassismus (Ergue-te Contra o Racismo) iniciando ou trabalhando em conjunto com outras organizações para preparar esses protestos. Por exemplo, no final de Setembro em Rostok, 6000 antifascistas impediram uma manifestação de Höcke; em Hamburgo uma semana depois dos distúrbios nazis em Chemnitz, uma manifestação com 178 fascistas foi confrontada por uma manifestação de 10 000 anti-fascistas. Em Hesse e na Baviera, os dois estados que tiveram eleições regionais no Outono, a AfD enfrentou contra-manifestações permanentes:

Na Baviera… durante a campanha eleitoral, no período de Agosto a Outubro, houve pelo menos quatro manifestações de dezenas de milhar de pessoas contra a AfD… Foram as maiores mobilizações anti-racistas na Baviera em muitos, muitos anos. Quando a AfD convocou manifestações em Munique, algumas dezenas de apoiantes da AfD tiveram de enfrentar milhares de contra-manifestantes. O mesmo se passou em Hesse – a AfD não conseguiu realizar qualquer manifestação durante a campanha eleitoral por causa das contra-manifestações.

O processo de “normalização” da AfD foi posto em causa por esta vaga de militância anti-fascista de massas, colocando a AfD na defensiva e criando tensões internas. Um dos efeitos foi uma crise ao nível do aparelho de estado quando o chefe dos serviços de informação interna, Hans-Georg Maaßen, foi demitido depois de se descobrir que reunira com a AfD e lhe passara informação.

Em consequência, a AfD tentou limpar a sua imagem de ligação aberta com o fascismo e assim consolidar a sua imagem de respeitabilidade através do policiamento da linguagem usada pelos seus membros em público. Criou também um grupo de “Judeus na AfD” e em seguida, sob as proclamações de Höcke e Gauland de que “Não há lugar para nazis na AfD”, expulsou o negacionista do Holocausto Wolfgang Gedeon por criticar publicamente esta iniciativa. Porém, ainda em 2015 Höcke recomendara um texto anti-semita de Gedeon como leitura obrigatória para os membros da AfD. A limitação à exposição pública da ala fascista do partido deu origem a oposição interna. A “Declaração de Estugarda”, assinada por 1200 membros da AfD, denunciava essas limitações às suas “ideias e expressão”.

Nada disto significa que a AfD está à beira da desintegração mas mostra que o método de construção de um movimento anti-racista amplo em combinação com mobilizações de massas dirigidas contra os fascistas, pode dar início a fracturas na sua organização.

Grã-Bretanha

Na Grã-Bretanha o movimento de rua de uma extrema-direita renovada representa uma séria ameaça. Mas de 2000 para cá, os anti-fascistas conseguiram ter sucesso em derrotar um significativo projecto eleitoral fascista e um movimento de rua nazi. Na primeira década deste século, o BNP, a par de outras organizações fascistas na Europa, reorientou a sua política da rua para as eleições, tentando imitar a Frente Nacional francesa. O BNP alcançou sucessos consideráveis – muito maiores que os da União Britânica dos Fascistas de Oswald Mosley nos ano 30 ou que a Frente Nacional nos anos 70. No pico do seu sucesso, em 2008-2010, o BNP tinha 55 vereadores, dois deputados no Parlamento Europeu e um eleito na Assembleia da Grande Londres. Conseguiu ganhar meio milhão de votos nas eleições legislativas de 2010 e perto de 950 000 votos nas eleições europeias do ano anterior.

Todos estes ganhos foram eliminados por uma campanha incansável e sistemática por parte da UAF e outras organizações. A UAF envolveu socialistas revolucionários, a esquerda do Partido Trabalhista, sectores locais e regionais do Partido Trabalhista – nem sempre de esquerda – das zonas em que o BNP estava a crescer, sindicalistas, mesquitas, igrejas e outras organizações comunitárias. A UAF procurou arrancar a máscara de respeitabilidade ao BNP e expôr a sua face nazi.

Isto não significava que a coesão dessa frente única e a hegemonia sobre a sua estratégia pudessem manter-se sem discussão. A rapidez do crescimento do BNP levava muita gente a acreditar que se tratava de uma força imparável, que dava voz a uma “classe trabalhadora” branca que só podia ser ganha por uma política de identidade nacional, inglesa ou britânica, “progressista”. Rejeitar esta cedência ao nacionalismo e insistir que a maioria podia ser ganha por ideias anti-racistas e anti-fascistas era uma questão vital. Havia também pressões para fazer concessões nos temas da imigração e da islamofobia.

No entanto, se um movimento anti-fascista eficaz não se pode basear nesse tipo de cedências, a frente única não podia excluir pessoas influenciadas por essas ideias. A UAF teve de insistir na necessidade de unidade na acção, demonstrando na prática, e ao longo do tempo, que o seu método era eficaz e assim ganhar camadas mais amplas de activistas para a sua estratégia.

Sujeito a uma pressão permanente o BNP perdeu a sua base eleitoral. O partido foi fragmentado por tensões internas e começou a desintegrar-se. Isto não pôs fim à ameaça fascista, pois houve sectores dos quadros e apoiantes do BNP, alguns deles furiosos com a procura pela respeitabilidade e a ausência das ruas, que voltaram de novo à rua.

Uma consequência deste desenvolvimento foi o crescimento da English Defense League (EDL) que os anti-fascistas tiveram de enfrentar a partir de 2009. A EDL apresentava-se como não fascista, mesmo como anti-fascista, evitava qualquer referência ao racismo biológico e mobilizava-se em torno da islamofobia. Tinha uma organização muito menos estruturada que o BNP, juntando hooligans do futebol com racistas organizados e alguns nazis e, nos seus primórdios, tinha uma liderança difícil de identificar.

Numa fase inicial a EDF conseguia mobilizar de 2000 a 5000 pessoas nas suas manifestações e as contra-manifestações da UAF eram frequentemente mais pequenas. O regresso à rua significou uma reorientação de todo o movimento anti-fascista, o que exigiu uma discussão paciente. Um ponto de viragem da situação surgiu em 2011, quando a EDL decidiu manifestar-se em frente à Mesquita da Zona Leste de Londres, em Tower Hamlets. Uma aliança entre os muçulmanos da zona, a esquerda e os sindicatos trouxe milhares de pessoas para a rua, arrastando atrás de si a câmara municipal local, do Partido Trabalhista. A EDL não conseguiu entrar em Tower Hamlets – uma experiência profundamente desmoralizante para uma organização cujo propósito é pôr os muçulmanos no seu lugar.

Um estudo sobre a EDL levado a cabo por dois académicos que participaram nas suas manifestações e entrevistaram os seus apoiantes, incluindo Tommy Robinson, dá-nos um vislumbre do impacto. “Inicialmente as manifestações era bem participadas, com mais de 2000 manifestantes. Contudo, “a partir de finais de 2011, houve um declínio acentuado na participação que se prolongou pelos 18 meses seguintes, com algumas manifestações muito pequenas (150 pessoas em Keighley em Agosto de 2012 e 50 em Cambridge em Fevereiro de 2013)”. Robinson queixou-se com amargura: “A polícia conseguiu fazer o que queria, as acções tornaram-se muito aborrecidas… Em Tower Hamlets mantiveram toda a gente parada no meio da estrada durante seis horas – é fodido. Acham que viajei desde Newcastle para ficar especado no meio da estrada durante seis horas sem beber cerveja?”

Evidentemente, não foi a polícia que criou esta situação, mas a pressão exercida pela mobilização maciça dirigida pela UAF. O que os autores do estudo descrevem como apoiantes “marginais”, ou seja, menos comprometidos, da EDL, deixaram de participar nas manifestações. “Isto levou a recriminações internas que minaram ainda mais a auto-estima e sentido de solidariedade”. O núcleo fascista mais endurecido disciplinou-se mais “à medida que a saída dos membros marginais aumentava o peso relativo dos racistas biológicos da EDL, aderentes da ideologia da supremacia branca”. As subsequentes mobilizações anti-fascistas maciças em Walthamstow (2012) e novamente em Tower Hamlets (2013) pregaram o último prego no caixão da EDL.

Grécia

Na Grécia, a Aurora Dourada passou de menos de 20 000 votos nas eleições legislativas de 2009 para 440 000 e 7% dos votos em 2012. O seu crescimento alimentou-se do recrudescimento do racismo anti-imigrante promovido por um sistema político que, ao implementar um brutal programa de austeridade, sofria uma rápida erosão da sua legitimidade. Em 2009 foi lançada a Keerfa, uma campanha anti-racista e anti-fascista. O Partido Socialista dos Trabalhadores (SEK) teve um papel determinante na tentativa de construir uma frente única contra a Aurora Dourada, que incluiu sindicatos, comunidades – entre as quias os novos imigrantes da Grécia como os paquistaneses – em conjunto com outros partidos da esquerda.

O assassinato do rapper anti-fascista Pavlos Fyssas por um esquadrão paramilitar da Aurora Dourada, em setembro de 2013, foi um momento chave que permitiu à Keerfa transformar os seus esforços iniciais num enorme movimento anti-fascista capaz de organizar grandes manifestações. Isto, por sua vez, levou a que os sindicatos gregos convocassem uma greve geral contra a ameaça nazi, que culminou numa manifestação de 60 000 pessoas em frente à sede nacional da Aurora Dourada. O estado, sob enorme pressão para agir, ordenou, em menos de uma semana, a prisão e posterior julgamento de toda a liderança nacional da Aurora Dourada. Os trabalhadores na emissora nacional de televisão sentiram-se com confiança para entrar em greve de forma a impedir o acesso da Aurora Dourada ao tempo de antena. Quando em 2015 os nazis atacaram o movimento de solidariedade com os refugiados, tentando impedir crianças refugiadas de entrar nas escolas, a Keerfa conseguiu mobilizar com sucesso professores e pais para travar a extrema-direita.

Mais uma vez, a busca pela unidade de acção em torno da necessidade específica de oposição à Aurora Dourada e negação de acesso dos nazis ao espaço público, em paralelo com a luta contra o racismo de que estes se alimentam, provou ser eficaz em empurrar a Aurora Dourada para uma posição defensiva. Em consequência, não conseguiram tirar partido da traição do Syriza ao programa anti-austeridade com que foi eleito em Janeiro de 2015. Incapaz de crescer ou aumentar a sua votação, a Aurora Dourada tampouco conseguiu suscitar uma resposta racista à chegada de um grande número de refugiados à Grácia em 2015.

Anti-fascismo, socialismo e o partido revolucionário

Os fantasmas do passado estão a reemergir. Os nazis estão de novo a crescer, a ganhar lugares nos parlamentos, a conquistar milhões de votos e a poluir a atmosfera política com o seu veneno racista. Pela primeira vez desde a libertação de Auschwitz e da destruição dos regimes de Mussolini e Hitler é possível imaginar a vitória dessas forças. Os fascistas de hoje são muito mais fracos que os do período entre as duas guerras mundiais, em particular nas ruas, mas o aprofundar da crise económica e os sobressaltos políticos que lhe sucedem podem acelerar o seu crescimento e aproximá-los dos seus objectivos.

Ainda temos tempo, desde que se passe à acção de forma eficaz. As organizações socialistas revolucionárias têm a responsabilidade de construir frentes únicas contra o fascismo, não com base em programas políticos genéricos nem limitadas aos que se identificam com o anti-capitalismo, mas com base na mobilização de todos os que se sentem horrorizados com o crescimento do racismo e do fascismo. De facto, as organizações socialistas revolucionárias são capazes de iniciar estas frentes precisamente porque estão orientadas para as mobilizações extra-parlamentares e têm um compromisso de princípio com a luta anti-racista. A Tendência Socialista Internacional lançou-se nesta tarefa por toda a Europa. Isso passa por construir o Ergue-te Contra o Racismo na Grã-Bretanha para combater o racismo prevalecente na sociedade e organizar uma força capaz de encurralar o movimento de rua de [Tommy] Robinson.

Mas ao participar na unidade de acção contra os fascistas os revolucionários têm também de convencer mais pessoas da ideia de que é o capitalismo que cria as condições para o crescimento da barbárie fascista, de que a luta contra o fascismo é também uma luta para superar uma sociedade que produz este tipo de horrores. As classes dominantes, que perante ameaças sérias à sua dominação, consideram a possibilidade de pôr os fascistas no poder nunca serão derrotadas por moções parlamentares, têm de ser derrubadas por levantamentos revolucionários de massas.

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