Há 76 anos*: Nazis assassinaram em massa os povos Sinti e Roma em Auschwitz

No dia 2 de Agosto de 1944, mais de 4,000 pessoas foram assassinadas em camaras de gás em Auschwitz. O genocídio dos povos Sinti e Roma levado a cabo pelos nazis na Europa continua a afetar muitas vidas hoje em dia, diz a historiadora Karola Fings.

DW: O dia 2 de Agosto de 1944 foi um dia particularmente obscuro no histórico de perseguição dos Nazis aos povos Roma e Sinti. Mas o que aconteceu exatamente?

Karola Fings: Na noite entre o dia 2 e o dia 3 de Agosto de 1944 o então intitulado Campo Cigano no campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau foi dissolvido – ou “liquidado,” como a SS dizia. Os últimos prisioneiros, cerca de 4,300 homens, mulheres e crianças, foram levados às camaras de gás e assassinados.

Por que dissolveram os Nazis o campo e por quê através de uma execução em massa?

Porque queriam libertar espaço para os Judeus deportados da Hungria. Eles haviam gradualmente levado embora todos os prisioneiros fisicamente fortes para trabalho escravo. Também os queriam remover porque constituiriam uma feroz resistência caso o campo fosse dissolvido. O germano-Sinti que estavam no Wehrmacht foram informados que seriam movidos para algum lugar melhor com as suas famílias onde seriam capazes de trabalhar enquanto os restantes reclusos foram deixados para serem exterminados.

Sobreviventes relataram que resistiram a uma tentativa de purga ao campo em Maio de 1944. O que é sabido sobre isso?

Muito pouco. O que se sabe, no entanto, é que os Sinti e Roma resistiram ferozmente no campo, incluindo durante a noite entre o dia 2 e o dia 3 de Agosto de 1944. Às 19h da tarde o campo foi interditado, as forças da SS rodearam as barracas e tiveram que chamar reforços para aqueles que se mantiveram no interior – os mais fracos, os doentes, os idosos e muitas crianças com suas mães-em camiões dirigidos ao crematório. Tiveram que usar de uma violência extrema para os manter nos camiões.

Como eram esses campos?

As condições na secção “B II E” do campo de Auschwitz-Birkenau erram verdadeiramente horrendas. Em Fevereiro de 1943 os nazis começaram por deportar homens, mulheres e crianças, cerca de 22,700 pessoas, do Reich Alemão mas também da Áustria anexada, Bohemia, Moravia e Polónia, bem como dos Países Baixos ocupados e da Bélgica, para o campo. Estava sobrepopulado, não havia praticamente comida nenhuma, os serviços médicos era precários, as instalações sanitárias eram catastróficas e havia, óbvio, muita violência. Os prisioneiros e as prisioneiras tinham que lutar pela sua sobrevivência todos os dias. Até os fins de 1943, 75% dessas pessoas morreram de fome ou de doenças infeciosas; outros foram para as câmaras de gás. Era um campo onde viviam muitas famílias e com um número incrivelmente grande de crianças abaixo dos 14 anos. O número total de crianças ali era de 7,000. Por outro lado, familiares podiam consolar uns aos outros e cuidar uns dos outros até certo ponto, mas isso também causava uma angústia por terem que ver seus familiares, avós ou irmãos morrerem sem poderem fazer nada para ajudar. Sem contar que as pessoas ali eram usadas como cobaias, especialmente gémeos idênticos, nas mãos do conhecido Dr. Josef Mengele da SS.

O que é sabido sobre a perseguição da maior minoria europeia?

Pesquisas sobre o assunto só começaram a meados de 1990. Até lá, alguns detetives e etnólogos, parcialmente culpados pela perseguição, legitimaram o discurso. Afirmavam que estas pessoas não haviam sido perseguidas por motivos raciais e, se apresentando como peritos no assunto, dificultaram que as vítimas recebessem compensações.

Hoje em dia sabemos que os povos Roma e Sinti foram alvos de ódio e perseguição racial que começou em 1933. Assim como a população judia, foram estigmatizado como uma “raça estrangeira”. Contabilizá-los serviu não só para isolá-los como também, em última instância, para deportá-los. O objetivo era exterminar os Sinti e os Roma, como os Judeus, do “corpus racial” da Alemanha, assim como era chamado.

O genocídio dos Sinti e dos Roma foi esquecido após a guerra?

Foi negado que o genocídio dos povos Sinti e Roma aconteceu mas muitas pessoas viram e sabem o que aconteceu, ou estiveram envolvidos. Há um caso de uma jovem mãe cujo marido já havia sido deportado e que acabou numa cidade pequena com a sua criança onde não seriam capazes de sobreviver. Uma professora e o mayor informaram a polícia, o que levou com que fossem deportados para Auschwitz. Ninguém sobreviveu.

Também levou muito tempo para toda a sociedade Alemã estar ciente do Holocausto e isso se deveu, em parte, pelo impacto dos maiores casos de tribunal como julgamento de Auschwitz.

Criminosos foram julgados, mas não todos. O anti-semitismo foi identificado e rejeitado como o sendo o sentimento que permitiu a existência do Holocausto, mas não houve nenhuma tentativa de retratação no que toca à perseguição dos Nazis aos Sinti e Roma. Apenas uns quantos casos foram a tribunal quanto a essa perseguição! Muitos casos não chegaram ao fim ou muitos dos acusados foram ilibados porque os povos SInti e Roma eram ainda estigmatizados e descredibilizados. Havia um consenso que abarcava toda a sociedade sobre aquelas pessoas não contarem como cidadãos alemães. Pessoas que defendiam a esterilização forçada ou deportação dos Sinti e Roma não tinham obstáculos quanto a ocupar cargos púbicos, nem em serem aceites como consultores do governo após a guerra.

Como se desdobrou a perseguição na Europa?

Houve uma data de assassinatos motivados por ódio racial na europa ocupada pelos nazis mas essa perseguição com motivação racial se desenrolou de formas diferentes dependendo dos regimes locais. Pessoas Sinti e Roma foram assassinadas desde o início da campanha da Alemanha Nazi conhecida como “guerra da exterminação” quer no centro, quer no sudeste europeu. Na França já eram fechados em campos de concentração antes do início da guerra. Na Roménia as pessoas Sinti e Roma eram deportadas para lugares desertificados do país onde muitos morreram, enquanto os governos da Húngria protagonizaram massacres no momento em que a guerra se aproximava. Na Jugoslávia, onde parte do território estava ocupado pela Alemanha, e a outra parte pela itália, a perseguição se deu de forma bem diferente. Na Croácia, as forças Ustashe perseguiram os Roma de forma implacável. Milhares foram executados nos campos de concentração de Jasenovac enquanto na Sibéria o comando alemão se vangloriava de ser o único país onde “o problema judeu e cigano estava resolvido”.

Essa perseguição teve um efeito a longo prazo sobre as comunidades Roma e Sinti após a guerra. Muitas das feiras onde muitas das famílias costumavam trabalhar para ganhar a vida foram destruídas e, como muitos idosos foram assassinados, os conhecimentos práticos sobre os ofícios foram perdidos. Essas pessoas foram forçadas a estarem desempregadas e entregues a uma pobreza extrema por terem perdido o estatuto social que tinham antes de 1941.

És membra do Comité Anticiganismo. O que tens a dizer sobre como as relações entre a maioria Alemã e as minorias Sinti e Roma se desenvolveram?

Algum progresso foi feito, acima de tudo por vitória dos esforços de movimentos sociais de pessoas Sinti e Roma. Por exemplo, o memorial sobre o genocídio dos povos Roma e Sinti existia em Berlim mas ainda há pouco conhecimento e consciência sobre o episódio, os livros escolares não o retratam suficientemente. Estas pessoas são ainda postas em situação de minoria social e expostas a exposições racistas pela imprensa, pela sociedade civil e pelos partidos políticos. O anticiganismo é utilizado pela extrema-direita para mobilizar seus apoiantes.

Existem programas europeus e estatais para combate desta discriminação, claro, mas não estão sempre preparados para a tarefa e os membros das comunidades Roma e Sinti nem sempre são consultados para os seus desenvolvimentos. Nas escolas elementares, as crianças destas comunidades são muitas vezes tidas por incapazes de aprender e são ostracizadas.

Karola Fings estuda a perseguição dos povos Roma e Sinti pelos Nazis há muitos anos . Ela é diretora do Centro de Documentação NS de Colónia e membra do Comité independente Anticiganismo.

Original, tradução do alemão: https://www.dw.com/en/75-years-ago-nazis-carry-out-mass-murder-of-sinti-and-roma-people-in-auschwitz/a-49874353, tradução livre

*texto escrito em 2019, adaptei.

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